Tá cada vez mais UP no high society¹


 

Em 1980 os milicos já estavam em processo avançado de convencimento que o regime já tinha dado o que tinha pra dar. Sim, claro, a história não é simples assim, o facínora morto, Sylvio Frota, e o facínora vivo, Augusto Heleno, sabem bem disso. (A propósito, por onde anda Heleno?) Mas o fato é que naquele fim da década mais pesada da linha dura já havia uma transição para a "redemocratização" do país. (Aspas!)

Elis Regina já era consagrada como uma cantora genial, a maior de todas, dizem, e conhecida por interpretar canções de resistência da forma mais linda que alguém poderia fazer isso - e também conhecida por cantar o hino nacional na olimpíada do exército, numa história de injustiça que fez até o Henfil se atrapalhar. Ela resolveu pedir pra Rita Lee e o seu novo parceiro e marido, Roberto de Carvalho, uma música, porque queria gravar alguma coisa diferente do seu repertório mais tradicional. O que Elis não sabia... - mentira! sabia sim - é que a Titia era debochada de nascença e tinha uma capacidade singular de entortar as cabeças travadas da canalhada da época - "meu som te cega, careta..." - mandando tijoladas como se fossem elogios. E assim a Pimentinha gravou "Alô, alô, marciano", com direito a clip no xô da vida e tudo mais. A letra tirava onda com tudo o que acontecia no Brasil e no mundo desde sempre. Tinha rei pedindo alforria, muita patrulha e até aitolá atolando. O clip é um primor de escracho, vale a pena. O refrão, que diz que tá tudo down no high society, é uma pedrada na riqueza decadente e na pobreza ascendente, esta última impulsionada pelos anos de "estabilidade via caserna". E se a música tivesse sido composta hoje, a quem se poderia dirigir a ironia? Tenho uma aposta.

Em uma das crônicas recentes aqui, comparei a casta judiciária do braZil ao sistema milenar indiano, que divide a sociedade entre cidadãos, subcidadãos e aqueles que não são nada, porque não têm nada. Pois agora vejam esta notícia:

Ministério Público de SP autoriza penduricalho de até R$ 1 milhão a promotores

Sob um nome bonito, que não diz nada mas que impressiona, as excelências vão receber essa graninha extra a título de "compensação por assunção de acervo". Atenção aos detalhes: a palavra compensação não está aí de graça. Compensar por algo que já aconteceu acaba gerando a ideia de indenizar e se é uma indenização a dinheirama vem limpinha, sem desconto nenhum, nem o poderoso leão da receita consegue morder alguma coisa. 

Mas, afinal, em que consiste essa tal de "compensação por assunção de acervo"? É bem simples: significa trabalho extra. Se os membros e membras do MP trabalham em mais processos do que é determinado pela distribuição normal, têm direito a uma remuneração a mais. É isso? Não! Alguém já se perguntou por que eles só "descobrem" que têm direito a essas coisas posteriormente? Também é simples: se eles receberem no tempo certo - se é que há tempo certo pra esse tipo de picaretagem - isso é remuneração e aí vem imposto de renda, desconto previdenciário e tudo mais. Além de ficar escancarado que é uma forma de pagar supersalários. A manobra é deixar passar e depois de um tempinho "descobrir" que tinha que ser pago na época e não foi. Ora, o que tinha que ser pago na época e não foi não é mais remuneração e sim indenização. Ilegal? Nem pensar! Imoral? Bueno...

Há que se dizer, também, que os servidores e servidoras (assessores/as), que efetivamente desdobram os processos que extenuam os deuses, desculpa, os membros e membras, não entram nessa partilha. Isso talvez explique o motivo dos órgãos judiciários e afins estarem cada vez mais sendo invadidos por pessoas que entram pela portas dos fundos, o velho e bom cabide emprego dos CCs (Cargos de Confiança). Paralelamente, as carreiras efetivas, que deveriam ser preenchidas por pessoas concursadas, são atacadas e os direitos e garantias cada vez mais flexibilizados. A lógica é simples: quem terá mais possibilidade de reclamar da bandalheira, pessoas concursadas, com carreiras estáveis, ou gente que está lá por ter alto QI (Quem Indica)?

Engana-se quem pensa que a coisa não pode piorar. Esse agradinho oferecido aos seus pelo MP paulista logo logo vai chegar nos outros órgãos (MPs dos outros estados, MP da União, tribunais etc.). 

Assim, se o Roberto de Carvalho resolver fazer uma versão nova pra letra, duvido que tenha ânimo pra ironizar. A coisa tá cada vez melhor no high society.


*Imagem de destaque: https://asmetro.org.br/portalsn/2022/07/15/procuradores-vao-ganhar-ate-r-11-mil-a-mais-com-novo-penduricalho-do-ministerio-publico/. Acesso em 6/2/2025.

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