O general democrata e outros contos fantásticos braZileiros


 

A essa altura da evolução da sociedade qualquer pessoa capaz de realizar um número mínimo de sinapses sabe que a extrema direita é uma fábrica de bizarrices. O trumpismo, sucedido pelo comunismo de Joe Biden, não deixa persistir qualquer dúvida disso. O exército imbecilizado que tranca ruas centrais de Porto Alegre há quase um mês, muito menos. A prefeitura de Sebastião Melo, ou melonaro, de acordo com a alcunha adotada na campanha de 2020, instada pelo Ministério Público, se manifestou dizendo que os movimentos são legítimos e democráticos. O que essa gente... estranha quer é quase uma incógnita. Uma hora é a realização de nova eleição, mas só presidencial; outra vez é a intervenção militar; chegaram a pedir uma intervenção federal no Exército; recentemente o pedido foi pela intervenção de um general vindo sabe-se lá de que rincão do universo. Se este general espiritual, extraterreno, virá em socorro a essa pobre gente desesperada não se sabe, mas há um outro general, em corpo físico, que não abandona o seu povo.

Na campanha eleitoral de 2018, Hamilton Mourão assumiu a face sóbria da plataforma bolsonarista. O general era o homem da fala moderada, o sujeito que tinha a cabeça no lugar e que atuaria como um contraponto e até como um freio na psicopatia criminosa de Jair Bolsonaro. Ao longo do (des)governo, ele pouco apareceu, mas sempre que surgia mantinha essa aura de civilidade e um discurso aparentemente conciliador. Em 2022, o general, que é tão sul-rio-grandense quanto era Nélson Gonçalves, concorreu e venceu o pleito para o senado pelo Rio Grande do Sul. Foi ajudado pela outra candidata da extrema direita, que passou a campanha fazendo propaganda do general e no último momento renunciou à candidatura. A Comandante Nádia se apresentava como a verdadeira candidata da direita, porque "o outro" (era assim que ela se referia ao general) era a favor do aborto, não condenava as relações homoafetivas, enfim, era um lobo em pele de cordeiro. Jogada de mestra, porque esse dicurso fantasioso conquistou a simpatia de certo eleitorado nem tão à esquerda para votar no comunista Olívio Dutra e nem tão reacionário para comprar o programa da comandante. No apagar das luzes, a desistência e a consequente migração dos votos para o general. 

Logo em seguida ao segundo turno, o general concedeu entrevista à rádio Gaúcha em que mostrou que moderação do seu discurso era nada mais do que retórica. Ali ficou claro o tipo de oposição ao governo Lula que ele vai comandar no senado. Só que a coisa é mais complexa do que aprenta ser, porque agora o general decidiu aderir abertamente à fantasia da fraude eleitoral e também saiu em defesa das manifestações golpistas. Segundo o "democrata moderado" o Tribunal Superior Eleitoral, que é orgão com a competência constitucional para todo o processo das eleições, inclusive a homologação do resultado, não pode sozinho atestar a legitimidade do pleito. Referindo-se ao trabalho da Justiça Eleitoral, o general afirmou: "Nós teremos que evoluir nisso aí." Considerando que ele vai exercer o cargo de senador numa casa em que a extrema direita vai estar musculosa a partir de 2023, podemos esperar no mínimo constantes manobras golpistas na reformulação dos processos eleitorais. E isso é o que de menos pior pode acontecer, tendo em vista a movimentação da caserna alertada pelo ministro agora licenciado do Tribunal de Contas da União, Augusto Nardes. (Não deixem de escutar o áudio lincado aí na matéria.)

O golpismo está no DNA da "democracia" braZileira e a moderação no discurso do general-senador é só mais uma fábula no livro das 1001 noites da nossa pátria mãe tão distraída. 

Imagem de destaque copiada de: https://www.brasil247.com/brasil/ministros-do-supremo-consideram-que-bolsonaro-quer-dar-um-golpe-mas-mourao-minimiza. Acesso em: 23 de nov. 2022.

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