Ponha-se no seu lugar!
É um lugar comum entre as pessoas que fazem análises políticas dizer que a queda rumo ao fundo poço começou quando um obscuro deputado federal dedicou o voto pela cassação de uma presidenta, que não cometeu crime para tal pena, a um dos maiores criminosos da história mundial. Têm razão aqueles que dizem que Jair Bolsonaro deveria ter saído algemado daquela maldita sessão parlamentar, mas enganam-se ao achar que foi ali o começo da desgraça. O inferno brasileiro, na melhor acepção dantesca, começou muito antes. Talvez tenha sido quando o último ditador dos anos 1980 disse que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo; ou ainda quando uma governante assina a lei talvez mais importante da história do país com apenas dois artigos, sendo que um deles é apenas formal, e nada mais; pode não ser absurdo pensar que a ruína do país chamado Brasil começou mesmo antes dele ser assim batizado, lá por abril de 1500. Os intérpretes do Brasil estão se debatendo sobre essas questões pelo menos desde as primeiras décadas dos anos 1900 e não chegaram a nenhuma conclusão convincente. A propósito, será mera coincidência que quando a academia pensa nos intérpretes do Brasil sempre articula o debate com um marcador de gênero masculino? Quando a universidade começou a considerar Lélia Gonzales como uma grande pensadora? Por que Márcia Tiburi passou a ter o seu pensamento verdadeiramente conhecido Brasil afora somente após o advento dos programas em rede paga de televisão e das redes digitais? Por que a maior parte dos ataques sofridos por Manuela D'Ávila nas campanhas em que tomou parte não se dirigiam às suas ideias, mas sim à sua juventude e principalmente à sua condição de mulher? Por que Djamila Ribeiro é tão pouco citada nos debates acadêmicos? Por que Nikolas Ferreira e Marco Feliciano podem destilar seu ódio homofóbico todos os dias no parlamento e nas redes e nunca sofrem nenhum tipo de punição? Que tipo de resistência sustenta a falta de reconhecimento pelo grande público de Erika Hilton como uma das melhores deputadas do congresso nacional?
Marina Silva é mulher, tem sangue negro, nasceu no norte, foi formalmente alfabetizada tardiamente, faz história defendendo o meio ambiente e o povo seringueiro. O que mais ela precisaria pra ser alvo de toda a sorte de violência e discriminação no país que é uma verdadeira "festa das raças" desde os anos 1930? A resposta é simples: sucesso na vida. Marina tem sucesso na vida. Apesar de todas essas condições que foram anotadas aí em cima, alcançou um lugar de destaque no cenário político e social. Aí o limite do aceitável foi violado e a Ministra deve... SE POR NO SEU LUGAR! O senador cafajeste que vomitou essa frase contra Marina deveria ser preso, mas antes deveria ser premiado pela capacidade de síntese. Nem Gilberto Freyre ou Sérgio Buarque conseguiram exprimir com tanta economia de palavras a história da sociedade brasileira.
O Brasil é um país RACISTA, MISÓGINO e HOMOFÓBICO!
Gente da esquerda, amigos meus, dirá que isso tudo é mais um elemento da pauta identitária captada pela direita burguesa, que prejudica a luta de classes e tudo mais. Não há dúvida que a agressão sofrida por Marina pelo bando de canalhas no senado está sustentada nos interesses econômicos das elites empresariais/políticas que interpretam qualquer defesa dos recursos naturais como um grande obstáculo a ser superado. Isso não se questiona e por certo explica que nenhum dos "companheiros" de Marina presentes na sala de sessões, nem mesmo Jaques Wagner, integrante da base do governo de Haddad e Galípolo, tenha se insurgido para defendê-la. A única voz que se levantou foi de uma ministra de centro-direita, Eliziane Gama. Repito: o único desagravo a Marina Silva foi de uma mulher.
O fato ocorrido ontem abona todos os erros políticos de Marina Silva a partir da perspectiva da esquerda? Não! Marina, como todo e toda agente público/a, tem muitos acertos e erros. Particularmente, considero que ela tenha mais acertos do que erros, embora discorde de muitas práticas dela desde que surgiu como um figura de expressão nacional no cenário político. Mas algumas vezes o debate precisa ser ampliado e o Manifesto do Partido Comunista deve ceder algum espaço a outras literaturas. Enquanto o povo brasileiro assistir na janela a ataques como o que foi sofrido pela Ministra Marina Silva e achar que tudo isso é normal, a tropa nazifascista vai continuar deitando e rolando na esfera pública. 2026 não tarda a chegar e a ratazana do bolsonarismo está no cio.
*Imagem de destaque: https://iclnoticias.com.br/nao-sou-submissa-diz-marina-silva-aos-senadores/. Acesso em 28/5/2025.
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