O mês dos golpes


Abril é o mês mais importante da história do braZil. Num 22 antigo, os portugueses "descobriram" a terra que os nossos guaranis, tupinambás e outros já sabiam que existia há alguns milhares de anos. Alguns séculos mais tarde, os milicos reinventaram o país, que desde então parece viver num eterno Primeiro de Abril. Vamos revisar alguns fatos recentes.

 26 de março de 2025, em frente ao prédio do Senado, onde o filho zero um tem cadeira e a maioria é dos seus, Jair Messias Bolsonaro, recém tornado réu em processo criminal no STF, se manifestou ao seu público. Ao fundo, um trompetista alternava entre a marcha fúnebre e a marchinha "Tá na hora do Jair já ir embora". Ao som dessas melodias, para surpresa de algumas pessoas, não deste escrevente, o ex-presidente citou algumas vezes o senhor José Múcio Monteiro Filho. Corre na imprensa que o ministro da defesa do governo Lula testemunhará na instrução do processo, arrolado pela defesa de Bolsonaro. Quem se surpreende com isso não anda muito atento à história recente do braZil pós(?)-bolsonaro.

Em 16/12/2022, ainda no governo bolsonaro, mas com Lula já eleito, e na iminência de ser empossado ministro, José Múcio disse que "Jair Bolsonaro é um democrata." A declaração seria mais do que suficiente para Lula desistir da ideia de convidá-lo para o ministério. Lula não desistiu e o ministro discursou na posse dizendo que "as Forças Armadas sempre se posicionaram a serviço da paz, da democracia, do respeito às instituições e da cooperação com os seus vizinhos”. O povo do Haiti que o diga... Múcio também teceu elogios ao ocupante do cargo no governo que se encerrava: “Reitero meu agradecimento ao meu antecessor, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que, com admiráveis cortesia, elegância e espírito público, ajudou a conduzir a transmissão desse cargo. Desejo sucesso e felicidade na nova etapa da vida que se inicia”. Não é razoável pensar que o ministro estava sendo irônico e sarcástico, prevendo a condenação do general golpista, e se referindo à nova etapa da vida dele na Papuda. 

José Múcio, ministro da defesa de Lula, é um admirador de Jair Bolsonaro e das Forças Armadas. 

José Múcio, ministro da defesa de Lula, é um admirador de Jair Bolsonaro e das Forças Armadas. 

José Múcio, ministro da defesa de Lula, é um admirador de Jair Bolsonaro e das Forças Armadas. 

Lula é conhecido e reconhecido por sua capacidade de articulação e pelo tom conciliador que adota na sua prática política. Mas o presidente três vezes eleito, único na história, se não me falha a memória, não foi sempre assim. Essa mudança se deu quando ele entendeu que não chegaria à presidência com a imagem que tinha antes. Mas parece que o sindicalista radical, com uma barba comunista e um discurso forte acostumou na fantasia Lulinha Paz e Amor e continua flertando com as forças que o mantiveram preso por quase dois anos, injustamente, segundo os relatos históricos. 

Sim, o Brasil tem um sistema de governo meio esquisito, o tal presidencialismo de coalizão, que, no nosso caso, parece mais um meio termo entre o presidencialismo constitucional e o parlamentarismo, que já foi inclusive tentado por aqui em outros tempos, talvez não por acaso logo antes do Golpe de 1º de Abril. O fato é que o Congresso Nacional manda no país, o que se transforma num horror por causa da configuração corrupta do nosso parlamento. É nesse mar que o presidente Lula nada (sem trocadilhos), entre liras e milicos. 

Só que a coisa é ainda pior: Lula tem medo das Forças Armadas. Lula tem medo das Forças Armadas. Lula tem medo das Forças Armadas. No ano passado, 60 anos do Golpe de 1º de Abril, Lula determinou que não houvesse nenhuma manifestação oficial sobre o triste aniversário. Neste ano ele resolveu falar. Em manifestação lançada na rede X, o presidente falou em democracia, em direitos humanos, em soberania popular, em ameaças autoritárias, em um monte de coisa, menos em ditadura, golpe, tortura e outras palavras banidas do léxico presidencial. 

Enquanto Lula queimava os neurônios para construir um discurso que permitisse manter o equilíbrio entre atender as exigências das bases de apoio que demandam um posicionamento forte contra o golpismo militarista e a necessidade de preservar o bom relacionamento com a caserna, como se para isso já não fosse suficiente manter um admirador de golpistas no ministério, algumas lideranças de esquerda tentaram mobilizar o povo nas ruas contra o fantasma da anistia. Se o comício golpista de Malafaia e Bolsonaro flopou, com 20 mil pessoas em Copacabana, segundo análises mais otimistas, o que dizer da manifestação que juntou 6 mil almas na Paulista? Mas quem ousar dizer que foi uma manifestação esvaziada corre o risco de levar na testa o carimbo de "colaborador da extrema direita" pela patrulha adesista. Assim como dizer que a política econômica de Lula/Haddad é francamente neoliberal - e é - representa um passaporte para o cancelamento.

A lição do velho comunista parece não ter sido compreendida pela esquerda (ex-querda?) brasileira. A história está prestes a se repetir. A anistia de 1979 liberou todo o golpismo posterior, de Collor ao 8 de janeiro, passando pelos 4 anos de Jair Bolsonaro. E o medo de encarar a história e botar os militares no devido lugar, como golpistas que sempre foram e continuarão a ser, abre espaço para a volta do nazifascismo bolsonarista em 2027. 

Até quando vamos achar que a eleição de Lula em 2022 baniu o autoritarismo no Brasil? Até quando vamos depositar toda a nossa confiança em um Procurador-Geral que não quis denunciar Bolsonaro no período eleitoral para não prejudicar as campanhas de candidatos bolsonaristas¹? Será que vamos entender em tempo que isso foi determinante para que a extrema direita varresse as eleições municipais em 2024 e abrisse caminho, por exemplo, para a reeleição do bolsonarista Sebastião Melo em Porto Alegre (espero que o caos instaurado ontem tenha mexido na consciência do eleitorado porto-alegrense), do ainda mais bolsonarista Ricardo Nunes em São Paulo e de tantos outros e outras Brasil afora? Até quando seguiremos dormindo e acordando nesse Primeiro de Abril?


¹P.S.: na semana passada Gonet pediu arquivamento do inquérito da falsificação da carteira de vacinação, que, simbolicamente foi o marco inicial das investigações que transformaram Bolsonaro em réu. Antes disso, o TSE já havia anulado uma das condenações de inelegibilidade de Bolsonaro, com o aval do MPF. Ontem, importunar baleias se tornou legal, pelo menos para Bolsonaro. No ano passado o PGR disse que é normal um ex-presidente com medo permanente de ser preso passar o carnaval em uma embaixada


*Imagem de destaque: https://www.poder360.com.br/poder-governo/lula-recebe-mucio-e-comandantes-para-discutir-cortes-de-militares/. Acesso em 1º/4/2025.

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