Venha logo a virada do ano...¹


 

Começava a ser desvendado naquele início de mês um dos mais sinistros planos terroristas da nossa história contemporânea. Se tivesse tido sucesso, a operação provocaria não só a execução de personalidades políticas, mas também a morte de 100 mil habitantes... (208)

- Mas quem são na verdade os comunistas?...

- Todo mundo que tem profissão liberal: artistas, advogados, sociólogos... Temos que desflorestar essa raça até a terceira geração... (214)

A dificuldade em se descobrir autorias na época devia-se à falta de vontade das autoridades... (222)

A presença desse personagem no centro das decisões  desmentia a afirmação, feita um pouco antes por ..., procurando afastar o fantasma do golpe. "Se há radicais", garantia do... "estão na periferia do governo ou nos subúrbios do poder". (255)

O mínimo que fez, como que a anunciar a sua disposição, foi substituir nove membros da comissão quando descobriu que eles votariam contra... (256)

... seu gabinete estava "repleto de generais que desejavam saber a atitude do governo diante do ocorrido na..." (260)

... terminou a sua exposição solicitando uma decisão presidencial para levar aos seus generais. (260)

... o brigadeiro... não se conformava em ter que esperar até o dia seguinte; queria convencer o ministro da Aeronáutica a, junto com os colegas das outras armas, exigirem uma decisão imediata do presidente. No gabinete do ministro do Exército, alguns generais também se mostravam indóceis. Os mais exaltados eram os generais..., que acusavam o presidente de vacilação. ... chegou a dizer a seu ministro:

- Se o presidente está vacilando, que seja ultrapassado. (261)

Estava todo mundo desconfiado de todo mundo.  (265)

Podia-se fingir ali qualquer reação, menos ingenuidade. (272)

- Parece, assim, senhor presidente, que com alguns meses de anterioridade no tempo, eu estava, por assim dizer, quase que motivando o ato que se deve praticar neste instante. (273)

- Às favas, senhor presidente, todos os escrúpulos de consciência.³ (274)


Os trechos acima transcritos não foram retirados do relatório da Polícia Federal no inquérito recém encaminhado ao STF e à PGR. Mas não soariam estranhos lá. Tampouco tratam das tentativas (quase) frustradas de golpe a partir de 2022. Mas poderiam tratar. São informações trazidas no grande livro "1968: o ano que não terminou", de Zuenir Ventura², cuja leitura é fundamental para quem quer conhecer um pouco melhor a história do país e desfazer por completo a ideia da existência de militares democratas, legalistas, ou o que quer que seja, que não representem a exceção da exceção da exceção. Tudo o que está escrito aí em cima diz respeito a fatos ocorridos durante a ditadura de 1º de abril de 1964, com algumas questões relativas aos preparativos para a instauração do Ato Institucional nº 5, em 13/12/1968, que foi o instrumento máximo da linha dura, o libera geral para as mortes, torturas, desparecimentos etc. A leitura do livro, porém, pode ser feita como se o que estivesse sendo retratado fosse a crônica dos nossos dias. Pouca coisa mudou e certamente não mudou a disposição autoritária e golpista dos militares brasileiros. É o DNA das Forças Armadas. 

Com tudo isso, cresce a importância de pensarmos sobre o que escapamos até agora, mas, fundamentalmente, urge que se mobilizem todas as forças para que esse risco seja definitivamente eliminado. A cada dia as notícias sobre o andamento das medidas de punição aos golpistas se tornam mais assustadoras, desde a pasmaceira do Procurador-Geral da República, que já deve estar tendo dificuldades para encontrar desculpas para justificar o protelamento da denúncia, até o avanço das negociatas em favor da anistia no Congresso Nacional (novo grande acordo nacional com supremo com tudo?), passando necessariamente pela iminente posse de Donald Trump na Casa Branca. O pior disso é que grande parte da mídia dita progressista contribui diretamente para manter o estado de letargia do povo diante da possibilidade cada vez maior de termos a efetivação de um golpe logo ali adiante. Em vez de cobrar do PGR a apresentação da denúncia, jornalistas e analistas perdem precioso tempo dissecando os documentos do golpe e tentando explicar as razões da demora do PGR, como se o que interessa já não fosse de conhecimento público e não houvesse elementos mais do que suficientes para que Jair Bolsonaro e seu exército (e sua marinha e sua aeronáutica...) golpista virem réus e sejam condenados. Quanto mais tempo perdurar essa inatividade das instituições republicanas, mais tempo os criminosos terão de se rearticular e reunir força para dar próximo golpe, que se vier será eficaz.

¹... de 1968!

² VENTURA, Zuenir. 1968: o ano que não terminou. 2ª ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2108. (Os números anotados entre parênteses após as citações correspondem às páginas em que elas aparecem na edição consultada.)

³ Frase dita por Jarbas Passarinho, então ministro do trabalho, na reunião que aprovou a edição do AI-5, em 13/12/1968.

*Imagem de destaque: montagem feita pelo autor a partir de imagem original publicada em https://riqueza.sc.gov.br/noticia-728084/. Acesso em 2/12/2024.

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