A ressaca psicodélica

 

Naquela Paris festiva dos anos 1920, Hemingway, Picasso, Cole Poter e outros malucos que brindavam à vida poderiam imaginar o que viria nas décadas seguintes? O Crash da Bolsa, a ascensão do fascismo e a cavalgada avassaladora do nazismo botaram água na champanhe e converteram o sonho num grande pesadelo que durou algumas décadas. Até que nos loucos anos 1960 surgiu um sujeito que entortou - literalmente - a cabeça da juventude com doses cavalares de LSD. 

Durante muito tempo nos últimos anos eu fiquei tentado a comparar Lula a uma espécie de Dom Sebastião brasileiro, que voltaria das cinzas para redimir o seu povo. Mas pensando no resultado das eleições de ontem, começo a pensar que Luís Inácio está mais para um Timothy Leary à brasilis. A eleição de 2022 mergulhou o povo brasileiro, melhor, perto de metade do povo brasileiro, numa espécie de viagem lisérgica, levando essa gente para um mundo em que tudo é colorido, pessoas, animais e plantas dançam e brincam, e a vida é um sonho embalado por acordes distorcidos de Jefferson Airplane. Ou pela voz de Daniela Mercury em cima do trio elétrico.

Nos anos 1960, foi preciso que CIA e sua Operação Condor fizesse uma intervenção para sacudir a cabeça daquela juventude enlouquecida e mostrar que a vida não é um mar de rosas e cogumelos. O Vietnan foi o balde de água fria. Por aqui, porém, parece que nada desperta o sonho. Depois de ter acabado, o bolsonarismo agora rachou. A direita se dividiu e a ultradireita quebrou. Estivesse vivo para ver isso, o guru do ácido teria vergonha dos seus experimentos. 

O Brasil foi varrido pela extrema direita. As grandes cidades estão quase todas nas mãos de políticos bolsonaristas. E as cidades menores mais ainda. Ah, claro, Jair Bolsonaro, Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado e outros próceres do neofascismo estão em pé de guerra. ACORDEM, ALICES!!! O bolsonarismo está vivo e cada vez mais forte, Jair Bolsonaro está prestes a ser anistiado, e dois anos passam num piscar de olhos. Enquanto o povo progressista, seja lá o que isso quer dizer, se pendura no pescoço de Lula, acreditando que o ex-sindicalista vai salvar o Brasil do fascismo, os seguidores de Olavo de Carvalho, este sim um verdadeiro guru, passam a tropa em revista e elegem massas de prefeitos e vereadores dispostos a "endireitar" o país de uma vez por todas. Dinheiro dos orçamentos secretos do Congresso vão jorrar nessas prefeituras, fazendo com que cada vez mais pessoas acabem convencidas do discurso de um Ricardo Nunes, que vence uma eleição mesmo deixando São Paulo às escuras por semanas entre o primeiro e o segundo turno, ou de Sebastião Melo, que afundou Porto Alegre no rio que virou lago pra beneficiar as incorporadoras e os gigantes da exploração imobiliária. 

Ou a (quase-ou-em-vias-de-ficar) extinta esquerda brasileira reage, acorda do sonho psicotrópico e vai às ruas pra evitar a desgraça, ou 2026 vai ser o ano da volta dos que nunca foram. 

Ou acordamos ou o Messias vai voltar. 

Ah, sim, claro, sempre pode surgir um Ciro Gomes pra salvar a pátria...

*Imagem de destaque: https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-humanas/pesquisa-investiga-ativismo-de-jovens-em-movimentos-de-extrema-direita-no-brasil-e-na-alemanha/. Acesso em 28/10/2024.