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Mostrando postagens de outubro, 2024

A ressaca psicodélica

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  Naquela Paris festiva dos anos 1920, Hemingway, Picasso, Cole Poter e outros malucos que brindavam à vida poderiam imaginar o que viria nas décadas seguintes? O Crash da Bolsa, a ascensão do fascismo e a cavalgada avassaladora do nazismo botaram água na champanhe e converteram o sonho num grande pesadelo que durou algumas décadas. Até que nos loucos anos 1960 surgiu um sujeito que entortou - literalmente - a cabeça da juventude com doses cavalares de LSD.  Durante muito tempo nos últimos anos eu fiquei tentado a comparar Lula a uma espécie de Dom Sebastião brasileiro, que voltaria das cinzas para redimir o seu povo. Mas pensando no resultado das eleições de ontem, começo a pensar que Luís Inácio está mais para um Timothy Leary à brasilis. A eleição de 2022 mergulhou o povo brasileiro, melhor, perto de metade do povo brasileiro, numa espécie de viagem lisérgica, levando essa gente para um mundo em que tudo é colorido, pessoas, animais e plantas dançam e brincam, e a vida é um...

O prefeito saudosista

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  Quem foi criança em Porto Alegre no começo dos anos 1980 e viveu numa casa que tivesse TV, algo não muito comum naqueles tempos pré-streamings etc., deve se lembrar de um programa infantil veiculado pela extinta TV Guaíba, que operava no canal 2. O Guaíba Criança era apresentado por um personagem esquisitão e atrapalhado, inspirado provavelmente no clássico Garibaldo, da Família Sésamo, e que distribuía quindins para a criançada no programa.  Essa foi mais ou menos a época em que chegou a Porto Alegre um sujeito vindo de Goiás, da cidade de Piracanjuba, Sebastião de Araújo Melo, que algumas décadas depois viria a ser eleito prefeito da cidade, em vias de alcançar a reeleição.  Talvez essa consonância de períodos (Melo chegou aqui em 1978 e o Guaíba Criança estreou no tubo em 1981) tenha criado uma certo fetiche do prefeito pelo simpático personagem. Há ainda a possibilidade do prefeito ser admirador de histórias de terror (a maneira como administra a cidade aponta para ...

Amai-vos uns aos outros!

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  Quem leu a orelha de Maquiavel sabe que a política é uma arte, arte que não prescinde da capacidade de odiar os amigos e acima de tudo amar os inimigos. Neocomunistas e neonazistas saberão explicar de outra maneira a complexa relação entre Hitler e Stalin? E o que se dirá para entender a amizade entre o Cavaleiro da Esperança e o Pai dos Pobres? As pessoas mais jovens, que não viveram a aurora da Nova República, não terão estranhado o tratamento carinhoso dispensado por Lula ao velho coronel do Maranhão e adjacências durante o discurso de posse, quando citou o "companheiro Sarney".  Nos últimos dias, Lula designou seu novo amigo Geraldo Alckmin para manifestar o apoio que ele mesmo, por problemas de saúde, não está podendo oferecer presencialmente à campanha de Guilherme Boulos. As pessoas que presenciaram os dois amigos comendo um sanduíche de pernil ontem, num boteco da pauliceia desvairada, não teriam visto a mesma cena em 2015, quando a juventude estudantil promovia as...

ATUALIZADO - A direita inrachável, a vitória do PGR e a reprodução dos ratos

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  No Brasil não existe uma esquerda. Na verdade uma esquerda não existe no mundo. Uma, neste caso, é numeral. Existem muitas esquerdas. No Brasil talvez em número maior do que no mundo. Tem a esquerda feminista, tem a esquerda antirracista, tem a esquerda da luta pela terra, tem a esquerda da luta pela moradia, tem a esquerda que reproduz Gramsci (essa, segundo Olavo de Carvalho, é a mais perigosa), tem a esquerda da periferia, tem a esquerda da Academia, tem até a esquerda festiva e a esquerda que nem sabe o que é esquerda. Nisso tudo, a causa principal da esquerda ortodoxa, a luta anticapitalista, fica prejudicada. A esquerda é complicada. A direita, pelo contrário, é um bloco (quase) monolítico, cujo único interesse está no binômio dinheiro/poder. E só é quase e não absolutamente monolítico porque dinheiro e poder em alguns raros momentos da história não andam abraçados, e aí pode dar alguma briguinha, mas nada que um bom conchavo e proveitosa troca de favores não resolva em pou...

Conversa pra boi votar

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 Uma boa parte da esquerda brasileira abomina o que ela convencionou chamar de "pautas identitárias". Para essas pessoas, mais ortodoxas no marxismo do que o freudianismo do Analista de Bagé, a importância demasiada (mi-mi-mi, segundo elas) dada ao combate ao racismo, à lgbtfobia, à misoginia e a outras formas de discriminação confunde e pulveriza as lutas e desvia a atenção do que deveria ser a pauta única: o combate ao capitalismo. Algumas dessas pessoas vão mais longe e dizem que as causas identitárias foram sequestradas pela burguesia capitalista e se tornaram uma espécie de fogo amigo (ou nem tanto) dentro da esquerda. Esse é um debate complexo, que não me interessa aprofundar agora. Mas é importante tomar um aspecto da discussão para tentar entender o que está acontecendo hoje na eleição municipal mais importante do país, que vai determinar o que acontecerá na eleição presidencial de 2026. Obviamente a compreensão da campanha municipal de São Paulo passa necessariamente...