O Primeiro de Abril mais longo de todos os tempos: ou o inimigo sempre à espreita
Como acontece com todas as tradições, a origem do Primeiro de Abril é incerta. A melhor explicação que encontrei na internet é esta: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-04/conheca-historia-de-1o-de-abril-dia-da-mentira. O que não é incerto é que no dia 1º de abril de 1808 o príncipe regente Dom João instituiu a Justiça Militar, o primeiro órgão judiciário da história do Brasil. A estrutura da Justiça Militar da União é um pouco diferente dos demais ramos do judiciário. A primeira instância é formada pelas Auditorias Militares e não há uma instância recursal intermediária, sendo o Superior Tribunal Militar (STM) o órgão de segundo grau e também o tribunal maior, abaixo apenas, por óbvio, do STF. O STM é composto por 15 ministros (e aqui o marcador de gênero masculino não é ocasional, há uma ministra que é a exceção que confirma a regra), sendo 3 oficiais-generais da marinha, 3 oficiais-generais da aeronáutica, 4 oficiais-generais do exército (CF/88, art. 124) e cinco civis. Generais julgando coronéis?
1º de abril também é a data do golpe de 64. Dizem que o general Olimpio MOURÃO Filho, que já havia engendrado a farsa do Plano Cohen, era muito supersticioso e antecipou a data do golpe porque no dia agendado originalmente a fase da lua era cheia e isso não trazia bons auspícios à "revolução". Assim, na madrugada de 31 de março para 1º de abril o velho golpista mandou as tropas marcharem de Juiz de Fora ao Rio de Janeiro para apear Jango do governo.
Feitas as referências às efemérides do dia, quero trazer um tema de extema importância, mas de que pouco se está falando, na grande mídia nada, como não poderia deixar de ser. Desde 2020 tramita no STF uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), proposta pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) - sim, o PDT é mais do que Ciro Gomes -, que trata do papel das Forças Armadas, muito especialmente da ideia que volta e meia aparece com força sobre um fictício poder moderador que a caserna teria. Trata-se da ADI 6457, que teve o julgamento iniciado no dia 29 de março, 3 dias atrás, portanto. A relatoria da ação é do ministro Luis Fux, que votou pelo não reconhecimento do poder moderador, no que foi acompanhado até agora pelos ministros Luís Roberto Barroso e Flávio Dino. O voto de Dino abre com a seguinte epígrafe:
“Traidor da Constituição é traidor da Pátria”. (Trecho do Discurso do Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Deputado Federal Ulysses Guimarães, em 5 de outubro de 1988)
Os votos proferidos em ações judiciais, sobretudo no STF, são, por vezes, verdadeiras aulas de história e, na área do direito, valem por horas e horas de bancos acadêmicos das faculdades. Pena que não tenhamos o hábito de ler de vez em quando essas decisões. Por isso neste caso vale destacar alguns trechos do voto de Flávio Dino:
São páginas, em larga medida, superadas na nossa história. Contudo, ainda subsistem ecos desse passado que teima em não passar, o que prova que não é tão passado como aparenta ser.
A referência aqui é aos episódios trágicos originados pelos eventos golpistas promovidos pelos militares ao longo da história, fazendo a ligação com o Oito de Janeiro e outras tentativas bolsonaristas. Minha observação no ponto é que não há golpe sem milicos.
Com efeito, lembro que não existe, no nosso regime constitucional, um “poder militar”. O PODER é apenas civil, constituído por TRÊS ramos ungidos pela soberania popular, direta ou indiretamente. A tais poderes constitucionais, a função militar é subalterna, como aliás consta do artigo 142 da Carta Magna.
Nesse trecho o ministro ecoa as definições de formação dos estados lá do Iluminismo, Monstesquieu, Locke etc., que por sua vez resgatam conceitos da Antiguidade Clássica.
Assim sendo, visando ampliar a “convicção entre os principais responsáveis pela vida constitucional” acerca do ora decidido, acresço ao voto do Relator a determinação de que, além da Advocacia Geral da União, a íntegra do Acórdão seja enviada ao Exmo. Ministro de Estado da Defesa, a fim de que – pelos meios cabíveis – haja a difusão para todas as organizações militares, inclusive Escolas de formação, aperfeiçoamento e similares. A notificação visa expungir desinformações que alcançaram alguns membros das Forças Armadas – com efeitos práticos escassos, mas Plenário Virtual - minuta de voto - 30/03/2024 merecedores de máxima atenção pelo elevado potencial deletério à Pátria.
"A notificação visa expungir desinformações que alcançaram alguns membros das Forças Armadas", dedico especial atenção a este comando porque me interessam as figuras de linguagem e os elementos estilísticos dos discursos. Não fosse a elegância necessária e o decoro que exige a manifestação, a chamada liturgia do cargo, o ministro poderia abandonar o eufemismo para dizer: "Avisem os milicos que eles não podem se meter de pato a ganso. Que fiquem pintando meio-fio de calçada!"
Perguntas:
Por que Lula não quer que se fale sobre o Golpe de Primeiro de Abril?
O que está por trás do flerte de Lula com os militares e os bolsonaristas?
Por que Lula nomeou e ainda mantém no Ministério da Defesa um sujeito identificado com a ideologia militar e confesso admirador de Jair Bolsonaro?
Devemos temer uma nova anistia, promovida pela histórica tendência de Lula à conciliação?
As eleições municipais estão aí e podem representar o reagrupamento e o fortalecimento da extrema-direita. Não estará na hora de cobrar de Lula uma posição forte contra o bolsonarismo e tudo o que ele representa?
De quem é mesmo a frase "a cadela do fascismo está sempre no cio"?
*Imagem de destaque: https://www.brasildefato.com.br/2024/01/08/governo-lula-3-navega-em-aguas-turbulentas-na-relacao-com-as-forcas-armadas. Acesso em 1°/4/2024.
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