Crônica das Dez: os veículos tradicionais



Jornal Boca de Rua, edição de número 82, outubro, novembro e dezembro de 2022:


"GAROA PEGA FOGO?"


A matéria de capa publicada na edição do final do ano de 2022, abria assim:


"Pega. Porque a Garoa que estamos falando não é o chuvisco e sim o nome da pousada que incendiou na madrugada do dia 10 de novembro. Um morador morreu e 11 saíram feridos. Outras pessoas em situação de vulnerabilidade precisaram abandonar suas moradias. Foi uma tragédia anunciada, porque as condições eram péssimas, como já tínhamos denunciado no Boca. Nesta edição, o relato de quem esteve no meio do fogo."


Ou seja, há um ano e meio o jornal, que é produzido com a colaboração de pessoas em situação de rua e é vendido nas sinaleiras e ruas da cidade, já denunciava o descaso dos órgãos públicos e da prefeitura do Sr. Sebastião Melo, com a situação das "pousadas" (bem entre aspas), que recebem dinheiro público. 


Seguindo o mapeamento do notíciário, a gente pode ler uma matéria do Jornal Sul 21, que traz a seguinte manchete:


"Lei aprovada por Bolsonaro liberou a exigência de alvará a pousadas; vice de Melo é autor de lei local"


Cabe sim perguntar por que as tragédias que de alguma maneira envolvem o poder público sempre trazem a marca d'água do bolsonarismo. Não esqueçamos que na campanha eleitoral de 2020 o atual prefeito foi apoiado pelo então presidente e em alguns momentos chegou a ser tratado, com satisfação, pela alcunha de Sebastião MELONARO. Por outro lado, Ricardo Gomes, era até bem pouco tempo um dos quadros importantes do Partido Liberal (PL). Depois de deixar a sigla bolsonarista, o vice-prefeito disse que pretende abandonar a vida pública e se dedicar às atividades privadas. Interessante que ele decida fazer isso depois de ter passado uma boa temporada no poder público trabalhando em prol de interesses privados. 


Na sexta-feira Sebastião Melo anunciou que vai vistoriar as "pousadas" que recebem dinheiro da prefeitura. Mais do que nunca vale o dito popular "portão arrombado, tranca de ferro". 


Ainda sobre a denúncia feita pelo Boca de Rua em 2022, será essa a explicação para o Boca ter sido o único veículo de imprensa barrado na coletiva de imprensa da prefeitura? Talvez o mais impactante neste epísódio seja a justificativa: "participariam apenas veículos tradicionais". Por veículos tradicionais entenda-se a imprensa chapa branca, que vincula as suas pautas aos interesses próprios levados em frente por agentes públicos sem nenhum comprometimento com o povo. Veículos tradicionais jamais fariam uma matéria denunciando as relações inescrupulosas entre a prefeitura e o empresariado corrupto que lucra estratosfericamente com os contratos feitos com os órgãos públicos e está pouco se lixando para o bem-estar das pessoas, principalmente se elas forem apenas potenciais corpos carbonizados sem nenhum familiar ou amigo para reclamá-los. Veículos tradicionais só abrem espaço para tragédias "periféricas" quando a Crônica das Dez Mortes Anunciadas se concretiza.


E.T.: o secretário municipal de planejamento e assuntos estratégicos da prefeitura municipal de Porto Alegre chama-se Cezar Schirmer...


*Imagem de destaque: https://jornalbocaderua.wordpress.com/2022/12/06/n81-2/. Acesso em 29/4/2024.


Comentários

Postar um comentário

Críticas, contrapontos, opiniões divergentes, debates etc. serão sempre bem-vindas. A pré-análise será feita apenas em face de questões éticas e legais.

Postagens mais visitadas deste blog

O futebol apresenta um novo indexador econômico: o latão. Ou: Do Corote à Chandon, a trajetória de uma traição.¹

Imagem
  Embora eu seja um apaixonado torcedor do Inter, o futebol raramente aparece por aqui, e como tema principal acho que nunca esteve. Minhas ideias sobre futebol estão em outro lugar:  https://interdetodos.blogspot.com/ . Abro uma exceção porque o tema transcende o mundo da bola. Fui conselheiro do Inter por cerca de 10 anos, eleito com muito orgulho pelo movimento O Povo do Clube, do qual já não fazia mais parte quando encerrei a minha participação efetiva na política do Inter. Junto com algumas companheiras e alguns companheiros de grande valor, pessoas que, algumas delas, se tornaram grandes amigas minhas, ajudei a fazer história no Inter e no futebol de modo geral. Subvertemos velhas fórmulas de poder e criamos paradigmas que ainda entortam muitas cabeças conservadoras no ambiente político do futebol.  Hoje assisto, com um misto de tristeza e revolta, a capitulação do grupo politico mais PHoDa da história do país do futebol, comparável no Brasil apenas à Democracia Cor...
leia mais

A Índia é aqui. Desde 1550. Ou: ajude o juizinho a comer seu caviar

Imagem
  O Brasil é um país permanentemente à beira de uma ditadura. Hoje sabemos que o primeiro golpe foi dado em 1500. As gerações passadas, a minha, por exemplo, "aprenderam" na escola que os portugueses aqui deram por acaso, por uma ação do destino, já que o objetivo era chegar às Índias orientais. Depois disso, tudo o que aconteceu durante o período colonial e no império dos Pedros só aconteceu mediante negociatas, transações obscuras, influências externas etc. A república, já é lugar comum dizê-lo, foi instaurada a partir de uma quartelada. Século 20 adentro e afora, golpe após golpe, foi sendo constituída a nossa nação. Isso é História.  Quem, nessa história golpista, sempre esteve acima da linha do equador, no norte global brasileiro? Em primeiro lugar, por óbvio o povo da caserna. Esses estão sempre na vanguarda do reacionarismo. Há, porém, outra classe, que em regra veste as roupas bonitas dos defensores da garantia do estado democrático de direito, mas que é no mínimo ass...
leia mais

...vai passar nessa avenida...

Imagem
  "Dormia a nossa pátria, mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações"                                                       O Brasil é um país diferentão. E isso tem reflexos até mesmo na maneira como falamos. Por exemplo: quando uma pessoa diz "pois não" após uma solicitação, quer dizer que ela vai atender o pedido, mas quando ela diz "pois sim!", com uma entonação mais pesada, quer dizer não só que não vai fazer como ainda deixa implícito que achou o pedido um absurdo. Dá pra trazer muitos outros exemplos e talvez um dos mais clássicos seja que aqui se calça bota e se veste calça.  Esses fenômenos linguísticos, absolutamente naturais, diga-se de passagem, têm suas repercussões no jargão político também. Vejamos a palavra ANISTIA. Nos países em que o conceito de democracia não é distorcido, a concessão de a...
leia mais