Malandro é o Sapo, que pula pra não tomar rasteira...
Já vi pessoas torcendo o nariz para a expressão ciência política e para quem se apresenta como cientista político. Mas a política é uma ciência, e das mais complexas. Lula, por exemplo, é um personagem que ainda não teve a sua biografia definitiva escrita. E dificilmente terá, porque é a personalidade mais ampla e rica da história política brasileira, talvez em todos os tempos, mas no mínimo dos últimos 60 anos.
60 anos é o tempo que se completará desde o Golpe de 1º de Abril nos próximos dias, em primeiro de abril, obviamente. E o governo Lula - e quase sempre que se falar em governo Lula estar-se-á falando em Lula, porque o governo Lula é Lula - decidiu que não será feito nenhum ato alusivo à quartelada cívico-militar-empresarial de 64. Por que não? Por que não existe um museu da ditadura, como existe o museu do holocausto e tantos outros pelo mundo afora, que têm por objetivo manter as tragédias vivas na memória para que elas sejam evitadas? (( - parênteses duplos - assistam o filme "Sociedade da Neve" e o documentário feito sobre ele)) Simples: porque o braZil quer esquecer.
A militância de esquerda deu pulos de alegria quando Lula chamou Bolsonaro de covardão na reunião ministerial. Mas grande parte dessa militância não se deu conta do que realmente interessa nesse discurso de Lula, que disse que o golpe não aconteceu porque pessoas das Forças Armadas, que estavam no comando, não quiseram. Em seguida, quando fala de tempos tenebrosos, ele diz que alguns militares participaram do Golpe de 1º de Abril. ALGUNS! A palavra alguns, no contexto semântico em que foi empregada pelo presidente, induz a ideia de poucos.
Casualmente - ou não - essa declaração, que já tinha sido colocada em outros momentos de forma menos contudente ou com menor repercussão midiática, acontece na semana seguinte à entrega da cabeça de Bolsonaro em bandeja de prata pelos "generais democratas e legalistas" na Polícia Federal. E também é mero acaso, claro, que no dia seguinte à declaração de Lula a PF indicie Bolsonaro no caso da falsificação da carteira de vacinação.
Ora, não é preciso ser cientista político e nem alquimista ou bruxo pra jogar todos esses elementos num caldeirão e ver que Lula, grande articulador que é, e malandro velho da ciência e das artes políticas, está preparando o caminho pra livrar a cara do maior número de milicos possível. Bolsonaro já era, todo mundo sabe disso, então jogue-se o ladrãozinho aos leões e livre-se o alto oficialato. Redução de danos é que chama, né?
Por outro lado, em todas as investigações feitas sobre Bolsonaro e sua família-franquia muito provavelmente já há um número grande de provas incriminatórias. Talvez esse da vacina seja só o que está mais adiantado. Mais uma vez: terá sido mero acaso que o indiciamento seja feito quando Donald Trump já fala como próximo presidente, recrudesce virulentamente o discurso extremista e ameaça com uma guerra caso não seja eleito?
Lula tem um senso humanitário e democrático muito mais elevado do que Bolsonaro, isso não se discute, mas também é infinitamente mais inteligente. Ele sabe que Trump será eleito e sabe a importância de ter o ex-presidente genocida fora do jogo quando isso acontecer. Paraleleamente, Lula observa com muita atenção o avanço da extrema-direita também na Europa. Será interessante pra ele, então, comprar briga com a caserna, que desde sempre é o braço armado do fascismo na América Latina?
Lula está emparedado, sabe que os próximos anos serão pesados para as forças progressistas e tenta se manter em pé e com força nesse tabuleiro. Assim, duas coisas parecem inevitáveis nos próximos meses, talvez semanas: Bolsonaro será preso e a cúpula militar será aliviada. Ou anistiada. Resta saber o que acontecerá depois disso, principalmente depois das eleições municipais.
Lula pula pra não levar rasteira, mas penso que nem ele sabe muito bem que tipo de piso encontrará quando aterrissar desse salto.
*Imagem de destaque: https://www.intercept.com.br/2024/01/22/lula-nao-peitou-militares-nos-primeiros-mandatos-e-recompensa-caserna-agora/. Acesso em 19/3/2024.
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