O hoje não de Lula (hoje sim?...)
Um caso muito mal contado do esporte brasileiro é o do dia em que Rubens Barrichello entregou uma corrida de Fórmula 1 há poucos metros da bandeirada. Barrichello durante algum tempo segurou a onda de manter a tradição do Brasil nas pistas, que vinha de Emerson Fittipaldi e Ayrton Senna, tendo no meio do caminho um talentoso piloto que anos depois ganharia o noticiário por esconder segredos y otras cositas más da famiglia bolsonaro. Barrichello virou meme nacional, mas o que pouca gente percebe é que chegar à Fórmula 1 na escuderia mais tradicional das pistas - e provavelmente uma das mais corruptas - ao lado de um cara que é considerado por muita gente o maior piloto da história, é um feito extraordinário, impossível a alguém que não tivesse talento, como querem muitas das pessoas que fazem piada com o Rubinho. Quem se der ao trabalho de fazer uma pesquisa um pouco melhor sobre essa história, vai ver que Barrichello foi vítima e não vilão. "Ah, mais se fosse o fulano não entregaria..." Será que não? Nunca vamos saber.
Mas o que isso tem a ver com Lula, afinal?
Lula precisa decidir se entrega a rapadura ou se encara a luta para a qual foi eleito e segue tentando vencer a corrida e o campeonato. Naquele grande prêmio da Áustria, Rubinho foi traído pela equipe e ficou emparedado. De certa forma, a decisão de frear - e foi uma freada forte - escancarou ao mundo a podridão do esporte de elite. Houve momentos muito simbólicos naquela corrida, como a estrondosa vaia do público e a atitude de Michael Schumacher que botou Rubinho no primeiro lugar do pódio e entregou o troféu pra ele. Mas, infelizmente, a história reservou a Barrichello o papel de covarde e traidor da torcida. Lula pode decidir como vai passar a história. Se vai sair como o grande estadista, que voltou para redimir o povo massacrado por 6 anos de governos fascistas, ou se vai ser o covarde que vendeu a alma em troca da governabilidade de um chupacabrismo à brazilis chamado presidencialismo de coalizão.
A notícia de hoje é que Lula vai nomear Flávio Dino para o STF e Paulo Gonet para a PGR. Se fizer isso, será um sinal aos bolsonaros que vai ficar tudo bem pra eles. Como chefe da Polícia Federal, Flávio Dino representa uma certa segurança de que a instituição vai trabalhar com autonomia e fazer investigações mais sérias do que foram as do desgoverno bolsonaro, considerando, apenas para efeito de argumentação, que tenha havido investigação naqueles anos. No Supremo, Dino vai ser um entre onze e o Ministério da Justiça será entregue a sabe-se lá quem. Fala-se, incrivelmente, na ruralista Simone Tebet. A propósito desta ministra, vale dizer que desde o início do governo Lula mantém um ministério contaminado por gente dos bolsonaros. Talvez não seja exatamente o caso dela, que pode ser "apenas" uma representante das elites no governo. Porém há gente que está envolvida até as tampas em esquemas de corrupção, e outras gentes que consideram Jair Bolsonaro um grande democrata. Lula já fez trocas para atender interesses do mafioso oligarca das Alagoas. Trocas, a propósito, que sempre envolvem uma mulher. E agora pode cometer o erro (?) de substituir um dos agentes mais efetivos do seu governo para preencher uma vaga para a qual há pessoas extremamente competentes e comprometidas com os interessentes do povo. Por que, então, queimar um cartucho dessa forma? Será que o próprio Flávio Dino pressiona Lula? Afinal ministro do STF é cargo vitalício e poderoso, que depois da nomeação fica acima das conjunturas políticas. Não se duvide de nada. Nem mesmo da nomeação de um PGR lavajatista e que defende a ditadura.
Diante desse quadro, em que o habilidoso Lula se equilibra na corda bamba para manter a governabilidade, precisamos fazer um rápido resgate histórico. Depois de um tenebroso período de horror, a abertura política brasileira inovou e apresentou ao mundo um processo de anistia amplo, geral e irrestrito, que permitiu a volta de pessoas perseguidas pela linha dura ao mesmo tempo em que livrou a cara dos assassinos torturadores que passaram quase 20 anos mutilando e matando pessoas. Não tenho nenhuma dúvida em afirmar que se o Brasil tivesse feito o que outros países da América Latina viriam a fazer e condenasse os militares criminosos e seus braços civis à prisão, o bolsonarismo nunca teria existido. E como a história vive dando segundas chances, Dilma Rousseff instituiu a Comissão Nacional da Verdade em 2011. Houve muita emoção e choro, mas de choro e boa intenção o inferno tá cheio. A CNV de Dilma teve pouco ou quase nenhum efeito prático.
Uma vez mais a história apresenta outra chance, mas, pelo que estamos vendo, o Velho Marx acertou quando disse que as coisas se repetem, como tragédia e farsa. A Polícia Federal e o MPF têm provas e mais provas pra botar os bolsonaros e seu exército na cadeia por muito tempo, no caso do (vô)mito muito provavelmente até a morte. Antes o genocida tinha advocacia privada paga com dinheiro público, mas e agora? Agora Lula espera um ano para indicar o nome do PGR. Claro, o bolsonarista que ocupava o cargo anteriormente teria de cumprir o mandato até setembro. Só que no dia seguinte o sucessor ou a sucessora deveria estar no gabinete. Mas Lula precisa de tempo pra pensar. Como se um ano fosse pouco, já que ficou sabendo que a chefia da PGR seria indicação sua em 30 de outubro de 2022. Será acaso que as indicações de Lula para a PGR e o STF vão acontecer agora, quando boa parte da população que tem mais facilidade de acesso à informação já começa a se preocupar com as aves natalinas e as passagens e diárias para as férias? Será isso uma estratégia do grande articulador Luís Inácio para deixar tudo com dantes no quartel de abrantes?
Lula tem a chance de dizer HOJE NÃO e mudar os rumos da história. Mas também tem a chance de apenas repetir erros históricos que tanto mal causaram ao povo. E, ao contrário de Barrichello, que naquele grande prêmio da Áustria enfrentava sozinho o poder da escuderia do cavalinho, Lula tem o povo do seu lado. Resta saber se Lula está do lado do povo.
*Imagem de destaque: https://revistaforum.com.br/politica/2018/9/25/video-reune-declaraes-assustadoras-de-bolsonaro-34553.html. Acesso em 27/11/2023.
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