A raposa e as ruas
Lula é o maior articulador político da história do Brasil republicano. Quando todo mundo achava que estaria encerrando a carreira ao ser preso, era exatamente o contrário. Se tivesse concorrido em 2018, a chance de ser derrotado pelo neofascista teria sido muito grande e até provável. E aí sim, adeus Lula. Cumpriu uma etapa de 500 e poucos dias e voltou no melhor estilo Getúlio, nos braços do povo, como o redentor da nação.
Lula tem mostrado que que apesar das quase 8 décadas de vida, uma vida marcada por luta e sofrimento, tem vitalidade suficiente para chefiar o governo. E não só este governo, o próximo também. Tenho convicção que Lula pensa em reeleição. E aí as coisas começam a ser um pouco melhor explicadas. Começa a se entender a resistência em romper com velhas políticas e velhos políticos.
Quando Mano Brown falou em 2018 que o PT deveria voltar a ser o partido do povo, voltar à base, foi aplaudido por uns, mas teve quem fizesse cara feia. Mas Mano sabia que o PT já não era o partido do povo há muito tempo. O que não quer dizer que o governo e sobretudo Lula não faça políticas populares. O problema é quando o prazo da comparação começa a expirar. Depois de 4 anos de Bolsonaro e 2 de Temer, naturalmente os primeiros tempos de Lula seriam de um namoro apaixonado com o povo. Mas como costuma a acontecer com as paixões avassaladoras, depois de um tempo as coisas precisam se estabilizar para que se consolide uma relação sólida. E alguns questionamentos começam a surgir aqui e ali. É o momento de entrar em cena a arte política, na qual o presidente é doutor.
Lula se vale de toda a sua habilidade política e da sua imensa capacidade retórica para manter as bases ainda sob controle. Como diz o professor Idelber Avelar, em livro já citado aqui, Lula é mestre em administrar antagonismos. Quem pode fazer uma crítica sólida e contundente, não amparada em legítimas razões (de falta) de representação identitária, à indicação de Flávio Dino ao STF? É um excelente nome. Seria bom e importante ter uma mulher na Corte? Uma mulher negra, de preferência? Penso que sim, mas não deve ser este o debate principal. É preciso, antes disso, entender as razões por que Lula decide desfalcar seriamente o seu ministério, que, a bem da verdade, está desde o início bastante contaminado pela direita e por bolsonaristas. Pra dizer bem a verdade, antes é preciso entender por que razão Lula demorou tanto na indicação, assim como demorou tanto na indicação do PGR, já que desde que foi eleito sabia que teria que fazer essas nomeações.
Quanto a Paulo Gonet, a coisa é espinhosa e assunto para um amplo debate. Mas sobre Flávio Dino, um amigo muito antenado me alertou que a manobra de Lula pode ter sido uma antecipação de 2026. Lula, experiente como poucos, parece ter decidido antecipar a solução de um possível problema. Com mais três anos à frente do Ministério da Justiça, provavelmente Flávio Dino se habilitaria com força à sucessão presidencial. Primeiro problema: o partido, Dino não é do PT. Além disso, como acomodar as forças da coalizão, Alckmin, Haddad etc.? Indo além, e se Lula se achar em condições de disputar um novo mandato? E Janja? Se de um lado a Michelle vai se consolidando como herdeira do bolsonarismo, por que não Janja também pense em trilhar essa caminho?
Como se percebe, são muitos fatores a considerar na solução dessa equação e não é prudente deixar passar a chance de resolver um potencial problema com tanta facilidade. A indicação de Flávio Dino neutraliza as críticas da base, porque é um nome incontestável, questões identitárias à parte, ao mesmo tempo em que elimina um possível adversário na sucessão. E aí, como bom administrador de antagonismos, talvez por não ver um nome à altura de Dino para a pasta da Justiça, Lula acena com a possibilidade de recorrer a um expediente que se mostrou muito ruim no passado, dividir o Ministério e criar uma área específica para a segurança pública. Ou seja, pode esculhambar o setor que mais destaque vinha tendo no governo, retomando um sistema que não tem chance de dar certo, mas ganha um pouco de tranquilidade para seguir articulando, compondo, buscando apoios inclusive nos setores mais conservadores a reacionários da sociedade e das instituições.
E as ruas? Continuam vazias. Pero no mucho.
*Imagem de destaque: https://economia.ig.com.br/2022-12-01/alckmin-lula-pressa-ministro-fazenda.html. ACesso em 29/11/2023.
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