Dois patinhos na lagoa. Ou o que o povo argentino tem para nos ensinar


 

Hoje aniversaria o gol mais lindo e mais emblemático da história das copas do mundo. Num dia como este, em 1986, Diego Armando Maradona, El Pibe de Oro, meteu a mão na bola, con la ayuda de Dios, por supuesto, e venceu o grande Peter Shilton, histórico goleiro da Inglaterra, que era dois palmos mais alto, inclusive. Mas não é deste gol, eticamente questionável, diriam alguns, que eu falo. Se aquela mão era de Deus, todos os deuses de todas as crenças tomaram posse daquele corpo baixinho e entroncado e fizeram com que ele lavasse a alma de um país recentemente humilhado pelo imperialismo britânico e por seus próprios generais. Vale muito a pena assistir este rápido vídeo, que mostra a obra de arte e traz a narração espetacular do uruguaio Víctor Hugo Morales, que pediu licença pra chorar, coisa que eu faço toda a vez que vejo a cena. Barrilete cósmico, ¿de qué planeta viniste?, dizia o emocionadíssimo narrador. Vejam aí: https://www.youtube.com/watch?v=B5NDw5Pi4Jo

O velho C. G. Jung não atribuiria ao acaso o fato do julgamento eleitoral do genocida ter sido marcado para hoje. Há quem diga que é uma artimanha irônica do Xandão, pelo número 22, já que ele também aplicou uma multa de 22 milhões ao partido do facínora. Eu acho que tem mais a ver com o massacre promovido pelo Maradona. Uma boa dica para entender essa relação que parece meio sem pé nem cabeça (não adianta, os trocadilhos me perseguem) é o filme "Argentina, 1985", protagonizado por outro hermano gigantesco, Ricardo Darín. Ali se mostra como o povo argentino meteu os assassinos de Jorge Videla, incluindo o próprio, em cana, coisa que a nossa anistia ampla total e irrestrita nos impediu de fazer. A singularidade do Brasil também se explica pelo fato de que por aqui a anistia se estende aos torturadores. Se a nossa Comissão da Verdade tivesse sido de verdade, certamente Jair Messias Bolsonaro teria saído da sessão que decretou o impedimento da presidenta Dilma dentro de um camburão. O historiador Lucas Pedretti, pesquisador do Núcleo de Memória e Direitos Humanos do Colégio Brasileiro de Altos Estudos (CBAE/UFRJ) e ex-pesquisador da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-RIO) disse, em entrevista à Revista Fórum, que a CV esteve na gênese do golpe, por ter despertado a ira dos militares. 

Se esses militares, que ficaram brabinhos e resolveram derrubar a presidenta, tivessem sido julgados, com todos os direitos de ampla defesa assegurados, condenados, como resultado inevitável do julgamento, e presos, como consequência da sentença, simplesmente o bolsonarismo não existiria. Não sou ingênuo o suficiente para achar que a extrema direita não teria encontrado outro imbecil para encabeçar o seu projeto fascista, mas este não seria Jair Bolsonaro. 

Assim, o dia 22 de junho é simbólico e pode se tornar histórico também no Brasil, se a corte eleitoral cumprir o papel que lhe cabe e apagar das urnas a foto do maior criminoso público da história do país. Infelizmente, por razões que eu não sei (ou talvez até saiba) as ruas não estão tomadas pelo povo para pressionar os ministros do TSE e depois comemorar como se fosse uma copa do mundo. Essa história da falta de povo nas ruas é assunto que ainda quero falar por aqui, mas, por hoje me basta que o canalha tenha os seus direitos políticos retirados e que isso seja apenas o passo inicial para o desfecho que é a ida dele e de todo o seu exército criminoso para a cadeia. 

*Imagem de destaque copiada de https://pt.wikipedia.org/wiki/Argentina_2%E2%80%931_Inglaterra_%28Copa_do_Mundo_de_1986%29. ACesso em 22/6/2023.

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