De mim para noia
Em Porto Alegre, no coração do centro histórico, está localizado o Comando Militar do Sul, além de outros prédios militares. Essa área ocupa vários quarteirões e nas ruas há placas proibindo o estacionamento de veículos não autorizados. Um motorista de táxi me falou, na semana passada, que já teve problemas com agentes de trânsito quando apenas parou ali para o desembarque de uma passageira. Detalhe, era uma senhora com dificuldades de locomoção. Segundo o taxista, o "azulzinho" não permitiu que ele parasse em frente ao local em que senhora queria descer para ir em um setor das forças armadas (SIP), porque o veículo não poderia parar ali por ser área de segurança militar. Isso aconteceu em tempos de paz, muito antes da invasão dos patriotas. Eles, os patriotas, se instalaram no território militar há dois meses e, ao que consta, não foram importunados por nenhum zeloso agente da Empresa Pública de Transporte e Circulação de Porto Alegre, mesmo que uma das consequências do acampamento patriótico seja o bloqueio total das vias. O próprio prefeito Sebastião Melo já se manifestou publicamente para dizer que os patriotas estão exercendo o seu direito de protesto. E o Exército nunca moveu uma palha para retirar os invasores, mesmo que tenha a prerrogativa para fazer isso, já que se trata de área de segurança militar. Ontem a polícia militar do Distrito Federal foi chamada para desmanchar o acampamento patriótico em Brasília. O Exército não permitiu. A alegação? Se trata de área militar, então quem pode tirar os patriotas de lá é o Exército.
Nos últimos quatro anos, pelo menos, Bolsonaro e seu exército de seguidores descerebrados promovem a ruptura da ordem institucional. Por muito menos do que fizeram, deveriam estar presos. Bolsonaro foi chamado de genocida em documento oficial dentro e fora do Brasil. Perdeu a eleição, ficou escondido durante semanas e fugiu para o estrangeiro em avião da Força Aérea Brasileira, com escolta de servidores públicos escolhidos por ele, mesmo sendo investigado em muitos procedimentos da Polícia Federal, com fortes indícios de cometimento de crimes gravíssimos. O titular da ação penal conta Bolsonaro: Augusto Aras. Isso explica muita coisa, claro.
Entre a oficialização do resultado da eleição presidencial e a posse de Lula, em 1º de janeiro, havia um clima de tensão instalado no país, com ameaças diárias feitas pelos patriotas, inclusive um caminhão cheio de gasolina azul com uma bomba instalada dentro. Mas o clima de festa era maior. Lula voltou, tudo estava resolvido. Agora é deixar o barco navegar para águas tranquilas até ancorar na paradisíaca praia em que o povo brasileiro viverá feliz para sempre. Uma amiga, colega de trabalho, que me acha paranoico e alarmista, me disse, no final de novembro, que não havia nenhum motivo para preocupação. A respeito de uma carta publicada por oficiais de alta patente propugnando um golpe, esta minha amiga disse: "Li e perguntei o que o ... meu amigo Juiz do trabalho que está aqui achava e ele falou que é tudo mi mi mi."
Ontem os patriotas destruíram Brasília. E foram escoltados pela polícia militar até o local do crime. O atentado vinha sendo articulado pelas redes sociais à luz do dia e nas barbas das autoridades e instituições, inclusive das forças armadas. Por que não fizeram nada para impedir e até facilitaram o trabalho dos criminosos? Esta não é uma resposta tão simples e passa inclusive por investigar a coalizão que garantiu a eleição de Lula. José Múcio Monteiro, o Ministro da Defesa nomeado por Lula, esteve no acampamento patriótico de Brasília para ver como estava o ambiente. Não viu nenhum problema. Algumas horas depois, o plenário do STF e vários outros espaços do Congresso e do Planalto estavam completamente destruídos. Poucos dias antes, o ministro se manifestou desta forma acerca de uma declaração de Jair Bolsonaro sobre as forças armadas:
“Ele [Jair Bolsonaro] é um democrata. Conheço o presidente desde o período na Câmara dos Deputados. Ele é um líder e tenho certeza de que ele vai colaborar. É importante dizer que ele é um líder de uma parcela significativa da população.”
Militares são treinados com base em dois princípios: hierarquia e disciplina. Ou seja, a formação dessas pessoas não é feita para que pensem, mas simplesmente para que respeitem os superiores e cumpram ordens. Isso vale para qualquer militar. Um militar, de qualquer posto, não questiona ordem superior e não deixa de cumprir uma determinação por princípios éticos. Há exceções, sempre há, mas são raríssimas. Antes de Lula, presidente da república, o chefe maior das forças armadas é o ministro da defesa, que, pelo que se vê, é fã de Jair Bolsonaro. A política de segurança nacional do novo governo foi delegada a um sujeito que considera Bolsonaro um democrata. E o que isso tem a ver com os acontecimentos de agora?
Como visto, os fatos de ontem - que não vão parar, é bom que se diga - não foram organizados em silêncio, pelo contrário. Todos as autoridades sabiam do risco. O governo do DF participou ativamente, como prova a escolta feita pela polícia militar, mas o aparato de segurança e defesa do governo federal falhou e falhou feio. Por culpa ou por dolo? Não sei, mas quando um admirador de Bolsonaro é o ministro da defesa, começo a desconfiar de algo. É urgente que Lula demita José Múcio e nomeie alguém que não tenha nenhum vínculo com a extrema direita e muito menos que trate por democrata um nazifascista genocida. Se não fizer isso, o presidente estará assumindo deliberadamente o risco de ser apeado do poder por um golpe de militares com uma ajudinha de integrantes do governo.
A atitude, ou melhor, a falta de atitude dos militares diante de tudo o que está acontecendo no país mostra que eles não estão preocupados com a manutenção da ordem. Não da maneira como nós gostaríamos que estivessem. Eles estão monitorando tudo e esperando o momento certo para agir. O momento certo ainda não surgiu. Até a eleição, o debate em torno da possibilidade de redemocratização plena dominava a ordem do dia; entre a eleição e a posse do novo governo, o ambiente continuava desfavorável, porque havia a necessidade de garantir a consumação do processo democrático. Um golpe naquele momento inverteria o eixo e colocaria os militares como responsáveis pela ruptura. Agora o panorama começa a mudar. As coisas estão começando a fugir do controle, porque as instituições republicanas não estão dando conta de manter o equilíbrio das relações sociais (ou não estão querendo) e muito menos de garantir a segurança. E o que acontece quando as instituições não cumprem o seu papel? Quem entra em campo para "salvar o país"?
Será que a minha colega está certa e isso tudo é só paranoia minha? Talvez, espero que seja, mas, por cautela, sugiro a leitura desta matéria:
https://averdade.org.br/2022/05/projeto-nacao-o-brasil-em-2035-plano-de-poder-para-alguns/,
e uma visitinha aos sites dos Institutos Villas Bôas, Sagres e Federalista, este último com o sugestivo lema: "Sublata causa, tollitur effectus" ou "Eliminada a causa, suprimem-se os efeitos".
Imagem de destaque: https://www.redebrasilatual.com.br/politica/bolsonaro-militares-louco-suficiente-tentar-golpe/. Acesso em 9/1/2023.
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