Dois presidentes. Dois Canalhas. Um artista. Uma eleição.



O fato (não isolado) acontecido no fim de semana com o Seu Jorge, que foi violentamente atacado por uma parcela da elite escravagista do Rio Grande do Sul, que considera este estado uma espécie de enclave europeu no Brasil, me levou a pensar nas coisas que podem explicar esse acontecimento e o braZil de Bolsonaro, por consequência. O Rio Grande do Sul, que tem uma parte do povo que é a mais reacionária do país, que se considera, esta parte do povo, melhor do que todo o resto do povo brasileiro, e aqui a palavra resto não está por acaso, que se acha, esta parte do povo, mais desenvolvida, mais culta, mais politizada, mais bonita, mais tudo de bom, não sem razão é um dos estados em que Jair Bolsonaro faz mais sucesso. Jair Bolsonaro estabeleceu um regime de vale-tudo no país, que ao longo do seu (des)governo fez com essas pessoas que integram essa parte do povo, não só no RS, mas em todo o braZil bolsonarista, perdessem completamente a vergonha e sobretudo o medo de botar pra fora o seu racismo, a sua misoginia, vista até em mulheres bolsonaristas, a sua xenofobia, a sua homofobia, enfim, hoje essa gente se sente autorizada a vomitar todo o seu veneno à luz do sol e da lua, em qualquer lugar. Foi isso que fez o senhor Paulo José Kolberg Bing, presidente do Grêmio Náutico União, que atribuiu o nojento ataque racista protagonizado pelos sócios do seu clube elitista ao próprio Seu Jorge e, claro, à Esquerda. Depois o canalha deve ter sido alertado que isso não ia pegar bem e deu algumas declarações diferentes. Mas aqui ele mostra a verdadeira cara dessa elite racista asquerosa, que sempre tenta se justificar dizendo as coisas mais absurdas, como quando ele diz que trazer um artista negro pra se apresentar no seu clubinho mostra que eles não são racistas. E diz mais, ele fala que o Seu Jorge apresentou um material de divulgação em que vestia um terno, uma roupa bem aprazível, mas foi para o palco com um moleton "não sei por que, meio dissociado do clima do evento". E foi mais longe, dizendo que o jovem músico que o Seu Jorge levou para o palco não deveria estar lá.  E não parou por aí, porque sugeriu que o Seu Jorge estava fumando alguma "substância" no palco. Depois tentou se retratar em outros momentos, na linha Bolsonaro, que primeiro converte o monte de lixo que tem dentro da cabeça em palavras e depois que vê que vai dar merda, tenta se retratar. Dois presidentes, dois canalhas. 

As razões para essas coisas acontecerem dessa forma no braZil de 2022 não são lá muito difíceis de encontrar. Vamos lá. 

Ah, sim, antes faltou dizer que no show do GRANDE Seu Jorge no clubinho da elite, além de gritos de "macaco", "negro vagabundo" e outras coisas, ouviu-se também: "MITO, MITO, MITO".

Vocês sabem o que acontece quando um deputado vai à tribuna do parlamento e, diante de milhões de pessoas mundo afora, talvez bilhões, exalta o maior torturador de um dos regimes mais cruéis da história? Ele tem o mandato suspenso liminarmente, é processado pela Casa, perde o cargo, responde processo criminal na justiça comum, é condenado e preso. Ou vira presidente da república. 

Vou me permitir colar algumas definições de Umberto Eco¹ para testar a hipótese de encontrar nelas alguma coisa que possa identificar o braZil bolsonarista. Sugiro que ao longo da leitura vocês vão associando os conceitos aos momentos da fala do presidente do clubinho União. Depois a gente passa para as falas do presidente do braZil. 

Mussolini não tinha qualquer filosofia, tinha apenas uma retórica. (p. 28)

[...] o Poder Legislativo se transformou em pura ficção (p. 39)

O termo "fascismo" adapta-se a tudo porque é possível eliminar de um regime fascista um ou mais aspectos, e ele continuará a ser reconhecido como fascista. (p. 42-43)

A primeira característica de um Ur-Fascismo é o CULTO DA TRADIÇÃO [...] não pode existir avanço do saber (p. 44-45) 

Pensar é uma forma de castração. Por isso a cultura é suspeita na medida em que é identificada com atitudes críticas. (p. 48) 

O Ur-Fascimo é RACISTA por definição. (p. 50) 

 [...] apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por alguma crise econômica ou humilhação política (p. 50) 

[...] "nacionalismo" (p. 50)

[...] xenofobia (p. 51)

No curso da história, todos os elitismos aristocráticos e MILITARISTAS implicaram o desprezo pelos fracos. (p. 53)

machismo (p. 55)

Como nenhuma quantidade de seres humanos pode ter uma vontade comum, o líder se apresenta como seu intérprete. (p. 55)

O Ur-Fascismo ainda está ao nosso redor, às vezes em trajes civis. (p. 60)

Agora vamos a algumas frases de Jair Messias Bolsonaro (bem contextualizadas):

Paulo Freire não levou o Brasil a lugar nenhum, tiramos uma fábrica de militantes do país. Combati na pandemia a campanha do ‘Fique em casa’ para alunos. Acabamos também com livros absurdos, ensinando crianças a fazer sexo. É ideologia de gênero… Já mudamos muita coisa. A garotada vai para escola aprender disciplinas, não para aprender a fazer sexo com seis anos de idade.

Eu jamais daria dinheiro pra essa turma toda aqui se não tivessem votando comigo, né? 

"Deus, Pátria, Família"

Há uma certa tara por parte da garotada em ter um diploma.

Eu fui num quilombola em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gastado com eles.

Fica aí, Maria do Rosário, fica. Há poucos dias, tu me chamou de estuprador, no Salão Verde, e eu falei que não ia estuprar você porque você não merece. Fica aqui pra ouvir. Ela não merece porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar porque não merece.

O filho começa a ficar assim meio gayzinho, leva um coro ele muda o comportamento dele. Tá certo?

Fui com os meus três filhos, o outro foi também, foram quatro. Eu tenho o quinto também, o quinto eu dei uma fraquejada. Foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio mulher.

 Ô Preta, eu não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco porque meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambientes como lamentavelmente é o teu.

A maioria que tá aí são pobres coitados.  

 Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar chorando até quando?

Só tem uma utilidade o pobre nesse nosso país aqui: votar. Título de eleitor na mão e diploma de burro no bolso

Lula venceu em 9 dos 10 estados com maior taxa de analfabetismo. Você sabe quais são esses estados? No nosso Nordeste.

Eu estava em São Sebastião, Brasília. De moto lá, tinha mais comigo um pessoal da segurança. Parei numa esquina, tirei o capacete, olhei para trás. Tinha umas duas, três meninas bonitinhas, de 14, 15 anos. Me chamou a atenção. Por que chamou a atenção? Eram parecidas. Apareceram mais uma, mais outra. Desci da moto, 'posso entrar aí?', entrei. Tinha quinze meninas dessa faixa etária, todas muito bem arrumadas, tinham tomado banho, estavam fazendo o cabelo, venezuelanas. Estavam se arrumando para que, alguém tem ideia? Quer que eu fale? Para fazer programa.

 Não sei quanto a vocês, mas eu não preciso de mais nada para entender que Jair Bolsonaro é o líder de um regime fascista, que autoriza uma elite canalha a promover violentos ataques racistas contra um dos maiores artistas do país e que legitima a fala do presidente do clube onde aconteceu o crime quando este tenta deslocar a responsabilidade para a prória vítima.

Como eu disse lá no início, este não foi um fato isolado. Longe disso. Acontece todos os dias em todas as horas. E raramente traz alguma consequência objetiva para os criminosos. Usei aqui como exemplo e mote para a reflexão apenas porque está na ordem do dia, o que será por pouco tempo, porque certamente nos próximos dias vai acontecer outra coisa, e outra, e outra, e outra, e assim o braZil vai indo, firme ladeira abaixo com o Messias no comando. Mas ainda é tempo de mudar as coisas. Se você não gosta de Lula, se você não gosta de Alckmin, se você não gosta do PT, se você não gosta da Esquerda, pelo menos tente gostar de você mesmo e de quem está à sua volta. Se votar em Bolsonaro, você estará mostrando que não gosta de nada e de ninguém. Já não é mais pela democracia, já não é mais pela Amazônia, já não é mais pelo Brasil, É PELA VIDA.  

 

 ¹ECO, Umberto. "O Fascismo eterno". Trad. de Eliana Aguiar. 1. ed. Rio de Janeiro: Record, 2018. 
    
 *Imagem de destaque copiada de: https://audienciadatv.net/noticias-dos-famosos/revoltado-seu-jorge-xinga-bolsonaro-ao-vivo-em-show-vamos-botar-essa-merda-pra-fora-assista-o-video/. Acesso em: 19 de out. 2022.

 

 

 





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