"Deixa [o Jair] sifudê!": o braZil entre traições e granadas


 

Tenho dito aqui há bastante tempo que o grande mal do (des)governo bolsonarista chama-se Paulo Guedes. E não reivindico nenhum prêmio por originalidade de pensamento. Qualquer pessoa que dedicar algum tempinho, pequeno que seja, para analisar a conjuntura vai concluir que Jair Bolsonaro é apenas uma marionete do sistema. No lugar dele poderia estar, por exemplo, o bandido Roberto Jefferson ou outro bandido qualquer. Talvez Bolsonaro tenha sido escolhido porque o nome se ajusta à proposta: bolsonarismo. Robertismo seria muito fraco. Só não poderia estar Paulo Guedes, porque este precisa trabalhar nas sombras. E trabalhando nas sombras ele passou incólume aos ataques, muitas vezes violentos, da Rede Globo contra o (des)governo bolsonaro. O Jornal Nacional não poupou críticas diárias a quase toda a equipe ministerial. Salles, Weintraub, Ernesto Araújo, até mesmo o incorruptível (SQN) Sérgio Moro em algum momento foi alvo da dupla Bonner/Renata. Paulo Guedes não. Nem mesmo quando veio à tona o escândalo da(s) offshore(s) do chicago boy nos paraísos fiscais. E por quê?

Em 2018, o Le Monde Diplomatique Brasil publicou uma série de matérias sobre a grande mídia no Brasil e os seus desdobramentos. Educação, mineração, agronegócio, siderurgia, mercado financeiro, transportes, religião são apenas algumas das áreas em que os donos dos grandes conglomerados de mídia operam. Globo (e RBS), Bandeirantes, Record, Folha, SBT e outras corporações atuam em todas as áreas da economia. Elas precisam, então, de alguém que possa garantir as suas agendas no primeiro escalão do governo. Jair Bolsonaro se prestou ao papel de boi de piranha para que a boiada pudesse passar traquilamente, sob a condução segura do superministro. 

A esta altura talvez a pergunta seja: mas se é assim, porque a Globo parece empenhada em impedir a reeleição de Bolsonaro? A minha hipótese passa por estes nomes: Henrique Meirelles, Armínio Fraga, Pérsio Arida e, claro, Geraldo Alckmin. Esses homens estão com Lula e um dos três primeiros muito provavelmente sucederá Paulo Guedes na pasta da Economia. Outro ocupará o Banco Central. Ou seja, a Globo e seus think tanks parceiros não têm muito com o que se preocupar no futuro governo Lula, que, inclusive, já disse que não será um governo do PT

Nesse sentido, talvez o próprio Paulo Guedes tenha "mudado de lado", ou melhor, decidiu "jogar nos dois times". Alguém acredita que ele não sabia das consequências devastadoras que as suas declarações teriam para a campanha bolsonarista na última semana? No tsunami de notícias sobre empresários tentando cabrestear o voto dos/das trabalhadores/as, o vazamento das políticas de Guedes para um eventual segundo mandato, arrocho salarial ainda mais violento, mudanças nas deduções do Imposto de Renda etc., medidas que beneficiam muito o Capital, naturalmente funcionariam para comprovar a campanha suja e criminosa do bolsonarismo no desespero pela reeleição. O posto ipiranga, que tudo sabe, tudo vê, não percebeu isso? Guedes não só sabia bem o efeito deletério que isso teria no projeto eleitoral, como sabe há tempo que os bolsonaros, eles mesmos, são autossabotadores do próprio projeto como um todo. Se a arrogância, a prepotência e a autossuficiência dos maiores interessados não permitem que tenham cautela, por que, então, ele se manteria fiel ao pacto com a família? Especialista em botar granadas no bolso dos inimigos, ele fez o Messias e seus sabujos rirem à farta na famosa reunião ministerial que divorciou (temporariamente) Bolsonaro e Moro. O que Jair não sabia naquele dia é que Guedes não tem amigos e que a qualquer momento o próprio presidente poderia entrar na lista dos inimigos que receberiam uma granada de presente. Demorou dois anos e pouco, mas aconteceu. . 

sabotagem provocou desespero e o bolsonarismo não-paulo guedes, bolsonarismo roots, entrou em parafuso. A tentativa de recorrer a um velho parceiro naufragou, porque também Bolsonaro não imaginou que Roberto Jefferson seria tão ou mais imbecil que ele próprio, inclusive ao ponto de lançar granadas (de verdade), e ficou emparedado entre mandar o ministro da (in)justiça pra ajudar o antigo amigo ou rifar ou novo inimigo. Ficou no meio do caminho, não fez uma coisa nem outra e, parafraseando Guedes, sifudeu. Totalmente desnorteda, a campanha acionou o genro do Sílvio Santos para lançar mais uma bomba de fumaça. De novo o tiro saiu pela culatra. Mas, como bom braZileiro, profissão esperança, Bolsonaro correu para o seu mais fiel escudeiro. Só que a advocacia privada da família parece estar sucumbindo junto com a campanha e a tentativa do PGR em liberar a mentirada bolsonarista não obteve sucesso. 

Bolsonaro caiu. O ódio que temos a ele e sua família de milicianos faz com que estejamos muito felizes com isso. Entretanto, a festa não pode durar mais de um dia após o domingo. Já na segunda (talvez na terça, que ninguém é de ferro), precisamos começar a preparar duas frentes de defesa: uma, a mais urgente, contra o golpe que os bolsonaros e seu exército, literal e metaforicamente falando, tentarão; e a outra, mais complexa, para frear o (ultra?)liberalismo do governo Lula. Ou melhor do governo Lula/Alckmin. A primeira parte da tarefa está quase - QUASE - vencida, com a ajuda do próprio bolsonarismo, mas não podemos baixar a guarda até que realmente um projeto democrático tenha sido implantado e o braZil comece a ser Brasil. 

*Imagem de destaque copiada de: https://www.pragmatismopolitico.com.br/2022/10/aliados-criticam-vazamento-do-plano-de-guedes-e-bolsonaro-contra-pobres-e-aposentados-sabotagem.html. Acesso em 26 de out. 2022.

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