Agora não tem mais padre
Os resultados das eleições foram péssimos, disso não há nenhuma dúvida. Não falo apenas da passagem do candidato (na iminência de ser ex) presidente fascista para o segundo turno, que esta, por incrível que pareça, é a parte menos ruim. A configuração do congresso nacional ficou trágica. Gente como Hamilton Mourão, Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e outros golpistas canalhas foi eleita. Ou seja, o bolsonarismo, para além de Jair Bolsonaro, saiu vitorioso do pleito de ontem. Mais uma vez é preciso dizer que o bolsonarismo é maior do que Bolsonaro, por isso derrotar o genocida e impedir a continuação do seu mandato é tarefa inadiável. O golpe foi duro, mas se baixarmos a guarda a coisa vai piorar muito. Choramos o que precisava ontem. Hoje é dia de tansformar a tristeza em força para lutar.
Vejamos o caso do Rio Grande do Sul, que é uma base forte do bolsonarismo. Diante do quadro nacional, a eleição de Eduardo Leite foi positiva. Parece um tanto contraditório dizer isso, porque o Eduardo é quase tão bolsonarista quanto o Onyx. Mas é justamente aí que está a chave, por paradoxal que pareça. Leite ficou a pouquíssimos votos de perder a chance do segundo turno para a chapa PT/PSol, que fez uma campanha espetacular e acima de quase todas as expectativas. Caso Edegar Pretto e Pedro Ruas tivessem avançado para o segundo turno, porém, o enfrentamento seria direto e Bolsonaro teria palco aberto para a campanha por aqui. Da maneira que foi, Leite vai ter de buscar o apoio da Federação Brasil da Esperança, que trouxe a candidatura da esquerda, e, para isso, obviamente, não vai poder bater de frente contra Lula. O RS, então, por mais estranho que isto possa parecer, será uma força de contrapeso e desempenhará papel importante na derrota de Bolsonaro. Seria bom ter Pretto e Ruas no governo do estado? Evidente que sim, maravilhoso. É ruim se emparedar entre dois bolsonaristas? Claro, é péssimo, mas pior seria que o inominável tivesse apoio irrestrito por aqui no segundo turno.
A hora agora é de elevar o nível do debate, buscar a conscientização das pessoas, e para isso é importante mostrar que houve avanços e exaltá-los. A Câmara Federal terá três deputadas transexuais: Erika Hilton (PSOL/SP), Duda Salabert (PDT/MG) e Roybeyoncé (PSOL/PE). Daiana Santos (PCdoB/RS) é deputada com 88.107. Daiana é mulher, negra, lésbica e de esquerda, o que para um estado machista, militarista, retrógrado e conservador como Rio Grande do Sul é um grande avanço. Alguém dirá que dar destaque a pautas identitárias desvia a atenção do debate mais importante, centrado na luta de classes. Mas é cada vez mais claro que a organização da sociedade democrática e libertária se dá na formação de grupos que trazem debates próprios de segmentos específicos. E lutar por causas determinadas de maneira nenhuma se coloca como excludente de buscar o equilíbrio social em todos os níveis.
Bolsonaro criminaliza os movimentos sociais e os grupos não hegemônicos. Sabemos o que ele pensa sobre as pessoas negras, as populações originárias, as pessoas LGBTQIAP+, as pessoas pobres. Sabemos que ele advoga pela tortura e pela morte. Vamos insistir em fragmentar as lutas, tirando a legitimidade das pessoas que encampam causas específicas? Pensemos por outro lado. No RS, Daiana Santos tirou a vaga de Lasier Martins e Bibo Nunes; Ana Amélia encerrou a carreira no ostracismo e tendo o tapete puxado por um correligionário; fora daqui, Janaína Poltergeist não se elegeu, como também não se elegeram o miliciano Queiroz e nem a doutora cloroquina e o negro racista, ex-presidente da Fundação Palmares; e nem mesmo o sobrenome garantiu a eleição da ex-mulher de Bolsonaro. (Aliás, para um defensor da família tradicional, o misógino tem bastante ex-mulheres, né?)
Se a coisa ficou feia, vamos tratar de minimizar os prejuízos e recomeçar a luta. Levamos duas décadas para tirar a caserna do poder direto e vamos derrubar Bolsonaro em quatro anos. Essa vitória está longe de ser desprezível.
E desta vez Bolsonaro não terá um padre pra se esconder atrás.
Imagem de destaque copiada de https://www.agendadopoder.com.br/manchete/bolsonaro-perdido-e-desesperado-comeca-a-sugerir-nomes-para-o-ministerio-de-lula/. Acesso em 3 de out. 2022.
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