Virtudes
Dias atrás, a ministra Rosa Weber assumiu a presidência do STF. Fez um belo discurso, em que a defesa da democracia, do estado de direito e das liberdades foram a tônica. Referiu fatos históricos e pessoas importantes da história brasileira, trouxe a épica grega e Cecília Meireles. Disse uma breve biografia própria, em que destacou os méritos da longa carreira no judiciário. Mulher culta e, acima de tudo, gaúcha.
Ontem, 19 de setembro, Eduardo (ex) Leite, cantou o hino farroupilha na propaganda politica. Quando governador e postulante a representante da terceira via, para orgulho do povo gaúcho assumiu a própria homossexualidade em rede nacional.
Uma mulher na presidência da corte maior do país e um homem gay alcançando grande destaque no cenário político nacional. Onde está mesmo aquele Rio Grande preconceituoso, machista, homofóbico de que tanto falam os nossos detratores, inclusive certa gauchada traíra, que não valoriza as nossas tradições e não se orgulha da nossa história?
Quando um deputado aparece pilchado no plenário e defende a roupa típica do gaúcho como traje de honra em solenidades oficiais, isso não é coisa de nos encher de orgulho, nós que somos o povo mais politizado, honesto e quase europeu do país? Nós, que demos ao Brasil os melhores quadros políticos das história da república, de Hermes da Fonseca a João Goulart; de Pinheiro Machado a Ana Amélia, uma Ana desta Terra; de Getúlio Vargas a Dilma Rousseff. (Opa, esta não.) Costa e Silva, Médici e Geisel eram nossos.
Ê, Rio Grande velho de guerra, quanto orgulho dessa nossa gente! Quanto orgulho de sermos o estado em que o sistema escravista foi brando e em que os corpos de lanceiros negros se irmanaram aos regimentos mais destacados dos nossos exércitos farroupilhas nas lutas libertárias do nosso povo; quanto orgulho dos nossos Guaranis, Charruas e Kaingangues que lutaram ao lado dos portugueses na defesa das nossas linhas de fronteiras; quanto orgulho da nossa gente, que sempre tratou as mulheres com respeito, dignidade e que é tão plural que elegeu um gay governador, melhor dizendo, um governador gay.
Não é de marejar os olhos que uma mulher forte, guerreira, arquétipo da chin..., ops, prenda gaúcha sente na cadeira central da Corte e diga ao mundo que para ser livre não basta ser forte aguerrido e bravo, como o povo gaúcho, porque é preciso mais, para ser livre é preciso ter virtude? Claro que aos Lanceiros Negros de Canabarro faltaram virtudes e por isso, de forma totalmente justificada, o comandante os desarmou e entregou ao inimigo; claro que aos povos indígenas faltaram virtudes e por isso, com toda a justiça, tiveram as suas habitações tomadas à força, privatizadas pelo bravo e virtuoso homem branco e ainda hoje têm suas casas de oração e lugares sagrados incendiados; claro que a muitas mulheres brasileiras faltam virtudes e por isso são justamente violentadas e estupradas desde sempre (a não ser que não mereça, é claro...).
É, parece que em um ano, que é o tempo que resta à ministra Rosa na carreira da magistratura, ela terá dificuldades para explicar o tipo de justiça que defenderá quando abre a gestão dizendo que os povos que são escravizados o são porque lhes faltam virtudes.
Imagem de destaque copiada de: http://www.filosofiahoje.com/2012/09/povo-que-nao-tem-virtude-acaba-por-ser.html. Acesso em: 20 de set. 2022.
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