Procura-se um fato novo. À direita e à esquerda
Ontem foi divulgada a mais recente pesquisa eleitoral feita pelo Ipec, por encomenda da Rede Globo. Segundo os/as analistas, ela aponta coisas interessantes, a começar pelo raríssimo fato dos números serem iguais na pesquisa induzida, em que o/a entrevistador/a informa os nomes, e na espontânea, em que a resposta é totalmente livre. Isso mostra que a informação da disputa centrada entre Lula e Bolsonaro está consolidada entre o eleitorado pesquisado. Os dados mais importantes, porém, estão relacionados ao desempenho dos dois candidatos. Lula se mantém estável em 44% das intenções de voto. Bolsonaro caiu de 32 para 31%. Mais interessante ainda é a análise qualitativa dos dados da pesquisa. Bolsonaro caiu entre a população que ganha até 2 salários mínimos, apesar de todas as manobras desesperadas do (des)governo, que despejou dinheiro em programas que "beneficiam" a população mais pobre. Parece que o povo está entendendo que esse "benefício" tem dia e hora para acabar e que, ganhando a eleição, Bolsonaro voltará a ser o canalha de sempre. Isso, aliás, é outro dos desdobramentos da pesquisa, a postura de Bolsonaro.
Segundo as análises, bateu o desespero na campanha bolsonarista e a culpa pela queda está sendo atribuída à rebeldia (ou incapacidade) de Bolsonaro em adotar um comportamento mais moderado. O debate da Band, por exemplo, era visto pelo séquito como a chance de promover uma espécie de reconciliação com o público feminino, mas ele fez exatamente o contrário. Assim, a campanha cogita "entregar tudo pra Deus" e deixar que o imbecil reassuma publicamente as características de que não consegue se afastar por muito tempo: misoginia, machismo, racismo, homofobia, violência, enfim, tudo o que sabemos sobre Bolsonaro.
Diante da inépcia que impediu a sustentação do projeto ao longo do (des)governo e que frustrou há bastante tempo as perspectivas de reeleição, e principalmente por conta da absoluta incapacidade de encarnar uma figura mais light durante a campanha, é moeda corrente nas articulações do exército bolsonarista a necessidade de um fato novo, algo que possa promover uma mudança radical na intenção do eleitorado e abalar de maneira sólida a campanha de Lula. Mas está difícil arrumar alguma coisa, já que a armação de um novo atentado não iria convencer desta vez. Mas, pelo que se sabe, o homem que atravessou uma multidão de gente e um grande número de seguranças profissionais, com uma faca enrolada num jornal, e conseguiu atacar o então candidato, provocando aquele estrago que conhecemos, está vivo. Quando falo em estragos, me refiro, claro, aos estragos políticos e sociais, porque em relação ao próprio Bolsonaro, mesmo que o atentado tivesse sido real, nenhum estrago pioraria o que ele já era. Embora não se saiba nada sobre ele, Adélio Bispo está aparentemente vivo. Na ausência de um fato efetivamente novo, não se descarta a possibilidade de um velho requentado.
No final do mês de julho, circulou rapidamente a "notícia" de um suposto depoimento de Adélio à Polícia Federal, no qual ele confessaria ter agido por encomenda da campanha de Fernando Haddad. (É bom lembrar que na época do fato, Adélio foi vinculado ao PSol.) A notícia, como quase tudo que vem dos bolsonaros, era mentirosa e foi negada pela própria PF. Pareceu um balão de ensaio que não levantou voo, mas Adélio Bispo é um homem marcado para morrer. Com a água batendo no pescoço, o bolsonarismo vai lançar mão de qualquer artifício para tentar virar o jogo e não seria supreendente a aposta no boato sobre o suposto depoimento incriminador de Adélio à PF e, logo em seguida, o anúncio da morte do sujeito, numa queima de arquivo feita pela campanha de Lula. Mentiras e armações, como se sabe, são as especialidades do bolsonarismo, então Adélio que se cuide.
Bispo à parte, amanhã o povo emocionado vai comemorar os 200 anos da independência do braZil, com direito à presença do "herói da pátria". Talvez o fato (nem tão) novo esteja sendo gestado e programado para este dia de grande comoção cívica nacional. Não é difícil saber qual vai ser o discurso e a postura de Bolsonaro nos palanques que ocupar. A tendência é que ele esteja liberado para, como disse Gérson Camarotti, analista político da Globo News, abandonar a máscara de Jair e voltar a ser Bolsonaro. Esta liberação, é claro, diz respeito à articulação da campanha, porque pela PGR ele está liberado há muito tempo, vide a manobra inexplicável (ou não) que tenta tirar de Alexandre de Moraes a relatoria do inquérito que investiga a criminosa associação que Bolsonaro fez da vacina contra a Covid à Aids. Este é, a propósito, o pavor de Jair Bolsonaro. Sendo apeado do poder, ele não poderá mais contar com a advocacia privada paga pelo povo. Mas, como estamos falando de requentar coisas, ainda há a possibilidade da ressurreição da figura do "senador biônico", que vai praticamente livrar a cara do mito. Seria um fato novo para o pós-eleição.
Pelo lado da resistência e da reação, também as coisas andam um tanto lentamente. Parece que a esquerda deitou no berço esplêndido da certeza da eleição de Lula. Isso é muito perigoso e aqui também parece ser preciso um fato novo. Estamos há menos de um mês do primeiro turno e não se vê nenhuma movimentação das ruas. Algumas pequenas concentrações aqui e ali, em locais tradicionais, como o Brique da Redenção aqui em Porto Alegre, mas eventos grandes, com milhões de pessoas nas ruas país afora, isso não se vê. Por mais absurdo que possa parecer dizer isto, parece que o fato novo da esquerda é o povo nas ruas.
*Imagem de destaque copiada de: https://www.agendadopoder.com.br/manchete/bateu-o-desespero-e-bolsonaro-reproduz-no-whatsapp-ameaca-de-golpe-militar/. Acesso em: 6 de set. 2022.
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