"Eu não sou obrigado a isso"
Conheci o Guilherme Arantes no começo dos anos 1980, quando ele foi, segundo muita gente, injustiçado por não ter vencido um festival da Globo. Se pensar na chatíssima interpretação da Lucinha Lins para a chatíssima Purpurina, talvez o troféu ficasse melhor com a (um pouquinho menos) chatíssima Planeta Água, do nosso Elton John brasileiro. Sim, o rapaz se definiu certa vez como algo tipo um Elton John brasileiro. Assim como o Paulo Ricardo é um Phill Collins de voz mais negra. Pretensão e água benta...
O Guilherme Arantes nunca esteve na ponta da agulha do meu toca-discos, embora tenha algumas músicas bem legaizinhas, mas ontem ouvi uma entrevista do moço, que estava divulgando um show em Porto Alegre. Parafraseando o Coronel Kurtz: o horror!
Depois de descrever o novo disco como uma coisa mais progressiva, com toques de barroco, ele advertiu o público que o show "não incorpora circunstância política". O que será que ele quis dizer com isso? Começou explicando que "os artistas se sentem emparedados por causa do bloco que se forma, de uma coerência de uma categoria". Ainda não deu pra entender o pensamento do artista? Então lá vai: na sequência ele se coloca na prateleira em que estão... Bob Dylan... Paul McCartney... John Lennon... e, de novo Elton John, que parece ser uma fixação do sujeito. (Alguém precisa contar pra ele que pra ser Elton John precisa um pouquinho mais do que saber tocar piano.) Disse que não se vê esses artistas trabalhando na circunstância de um momento político. Nem vou enveredar pela relação entre algumas letras do Dylan e o Vietnã, muito menos das conversas do Lennon com os Panteras Negras. Acho melhor aceitar que eles são alienados mesmo, tal qual o grande Guilherme Arantes. Como fosse um sociólogo ou cientista político, disse que o fenômeno do engajamento político de artistas é típico da América Latina. Rage Against the Machine, Dead Kennedys, The Clash, George Harrison, Neil Young, Madonna, Roger Waters, ah, esses latinos... "A gente fica um pouco decepcionado com isso que estamos vivendo." - "Eu não sou obrigado a isso."
O debate em torno da necessidade ou não de posicionamento político e social de artistas não é novo e é bastante complexo, portanto não será aqui, pelo menos agora, que eu vou entrar nisso. Mas há algo que não pode ser deixado de lado, que é exatamente a circunstância de que falou o senhor Arantes. E a circunstância, queira o grande artista ou não, é facilmente explicável no âmbito da atividade profissional que ele exerce: derrubar Jair Bolsonaro é questão de sobrevivência para a cultura. E neste momento circunstancial, não tomar posição publicamente é tomar posição publicamente. Quem não está contra o bolsonarismo, está a favor do bolsonarismo. É, sim, um maniqueísmo inescapável. Hoje é isto: ou se é antibolsonarista ou se é bolsonarista, porque ser terceira via, ser antipolarização ou qualquer coisa que signifique ficar em cima do muro, é o mesmo que ser bolsonarista. A hora é de destruir os muros, especialmente aqueles em que o sr. Arantes está, segundo ele ao lado de Paul McCartney e Elton John ("Pai, perdoa-o...").
Sim, Guilherme, tu não é obrigado a isso e nem a nada, mas também não somos obrigados a aguentar a tua alienação (e a tua presunção).
Neste momento (e sempre), sejamos mais Caetano e menos Guilherme Arantes!
*Imagem de destaque copiada de: https://pt.org.br/com-mascaras-fora-bolsonaro-artistas-fazem-campanha-nas-redes/. Acesso em 22 de set. 2022.
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