Banca de revista ainda vende selo?
Hoje dirigi sem cinto de segurança. Depois peguei a moto do meu amigo e dei uma banda sem capacete. Que maravilha a sensação de liberdade! Que tempo bom!
Voltei pra casa e liguei o rádio, que também é coisa de outro tempo, ainda mais pra mim, que escuto a programação AM. Por coincidência - ou não -, deu no noticioso um acidente envolvendo um carro e uma moto. Quase milagrosamente, a motociclista e sua carona escaparam com alguns arranhões. Usavam capacete. As cinco pessoas que estavam dentro do carro não sofreram nada mais do que o susto. E foi grande. Estavam todas com cinto de segurança. Parece que algumas coisas evoluem para melhor.
Há quem defenda retrocessos. Ainda não vi quem suspire pela volta dos orelhões de ficha (jovens, procurem no google) e quero acreditar que pouca gente, salvo as muito saudosistas, ainda queira receber notícias por telegrama. Mas vejo um número considerável de pessoas querendo a cédula de papel na eleição.
A primeira eleição em que trabalhei foi com voto em papel. Fiz parte de uma junta de escrutínio, contando votos. Funcionava mais ou menos assim: a gente sentava diante de uma grande mesa redonda, 5 ou 6 pessoas, e alguém do TRE despejava a papelada que estava dentro dos sacos de lona, que eram as urnas. Cada um ou uma de nós pegava um monte de cédulas e separava voto por voto. Primeiro para presidente. Depois de contados esses, as cédulas voltavam pro bolo pra contar os votos pro senado. Depois pro governo do estado, câmara federal, assembleia, até que toda a papelama era recolhida pelo pessoal da justiça eleitoral. Tudo sob os olhares atentos da fiscalização partidária, literalmente nos dando bafo na nuca.
Tinha umas coisas muito malucas, como fiscal brigando por um voto que foi considerado nulo porque o X estava fora do lugar: "Tem que considerar a intenção do eleitor!!!", gritava o sujeito de um lado; "Vontade do eleitor, porra nenhuma!!! Marcou fora do quadradinho tá anulado!!!"; berrava o outro. Alguns vinham com o nome da candidata escrito errado, no caso das proporcionais, ou com número diferente: "TEM QUE CONSIDERAR A INTENÇÃO DO ELEITOR!!!!!", gritava o fiscal do partido, que geralmente era o que tinha tentado anular o voto de antes; "VONTADE DO ELEITOR É O CACETE!!! NÃO SABE ESCREVER, NÃO TEM QUE VOTAR!!!", respondia o adversário, ou melhor, o inimigo, que antes era a favor de considerar o voto. Cartas de amor, receitas de feijoada, desenhos (alguns bem bonitos), xingamentos, vinha de de tudo naquele papel. Célebre é o caso da eleição do macaco simão (google). Esse trabalho demorava dias, por vezes até mais de uma semana, e enquanto isso reinava a expectativa sobre quem seriam as representantes do povo nos cargos eletivos. E enquanto isso ninguém podia ser preso, se não me engano. E enquanto isso a porrada comia nas ruas (e nas juntas de escrutínio). E no final de tudo isso, como é que se podia saber se o cara que estava contando os votos não tinha se aproveitado de um descuido da fiscalização e jogado pra lá um papel que deveria estar pra cá e aquele voto que deveria ser pra candidata X foi contado pra candidata Y?
Isso aí que eu descrevi sem inventar (quase) nada é o sistema seguro que a imbecilidade bolsonarista quer trazer de volta para grantir a segurança e a lisura das eleições. "Ah, mas os americanos fazem assim!" Sim, e os americanos também entram num cinema ou numa escola infantil e metralham dezenas de pessoas, incluindo crianças, antes de meter um tiro na própria cabeça. (Se bem que Jair Bolsonaro deve achar isso lindo...) E os americanos riem horrores com o American Pie (tá, eu também rio, mas isso não interessa...). Os americanos, que são exemplo pra muitas coisas, como as lutas antirracistas, o jazz e a comédia pastelão, não são exemplo pra muitas outras.
Essa paranoia (programada) sobre o sistema eleitoral é tão esquizofrênica que faz com que Jair Bolsonaro conteste uma eleição em que saiu vencedor. Na verdade, a esquizofrenia faz parte do mundo bolsonarista, porque grande parte do eleitorado de 2018 votou nele porque ele não iria cumprir o que prometeu em campanha, promessas que eram nada mais do que as ideias fascistas que ele sempre defendeu durante toda a vida desde o início (sempre é bom lembrar que de vez em quando eu lanço mão da prática discursiva olavista).
Há gente dizendo que bolsonaristas vão votar em candidaturas diversas para contestar o resultado das urnas e comprovar as fraudes; outra gente diz que isso tudo na verdade é uma grande armação bolsonarista para eles mesmos fraudarem as urnas e a esquerda não ter legitimidade para reclamar (essa é de se pensar....); enfim, há teorias conspiratórias pra todos os gostos. Eu não sou adepto dessas teorias, mas, como gosto que as pessoas me leiam, vou mandar este texto pelo correio. Só pra garantir...
*Imagem de destaque copiada de: https://www.elmundo.es/internacional/2020/03/12/5e6a5e17fdddff279e8b45ed.html. Acesso em: 17 de agos 2022.
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