Apartidário e apolítico: o laboratório dos golpistas
Terça-feira pela manhã, eu escutava a rádio Gaúcha e lá pelas tantas a Andressa Xavier, apresentadora do programa Gaúcha Atualidade, perguntou para a Rosane de Oliveira, articulista política da RBS, sobre as pesquisas eleitorais. A Rosane respondeu que ainda não é tempo de pesquisas, que elas não dizem muita coisa, porque as candidaturas ainda não estão definidas e, por isso, a própria RBS ainda não encomendou nenhuma. Até aí, tudo bem, de fato fazer pesquisa com candidatos/as em hipótese não traz nenhum resultado confiável. Claro que aqui já cabe uma pergunta: quando as pesquisas foram confiáveis para alguém que não seja quem as encomendou? É uma longa discussão, que não vem ao caso neste momento, porque interessa mesmo é a observação que a comentarista fez logo em seguida. Ela disse que nessa altura dos acontecimentos, o eleitorado não está nem pensando em eleição (faltam 3 meses!!), porque está preocupado é com o preço do leite e da gasolina. A afirmação é mais estarrecedora porque é verdadeira. Mas será que esse eleitorado, que não está preocupado com a eleição agora, sabe o que define o preço do leite e da gasolina?
Vou me permitir citar Brecht, um dos meus poetas favoritos:
O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio depende das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo.
Uma frase atribuída a Platão diz que o problema de quem não gosta de política é que será governado/a por quem gosta. Essa é uma característica da chamada democracia representativa, em que o poder é delegado, ou seja, as cidadãs e os cidadãos escolhem pessoas que vão trabalhar por elas e decidir as suas vidas. Nesse modelo, o problema é quando as pessoas elegem um sujeito como Sérgio Moraes, que em 2009 disse que se lixava para a opinião pública. Será que ele também se lixa para a opinião de quem financia as suas campanhas?
A desacreditação da política e dos agentes políticos é uma estratégia altamente eficaz das elites hegemônicas. Foi com esse discurso que a direita capturou as jornadas de 2013, que tinham causas absolutamente legítimas, mas acabaram virando laboratório de golpistas. "Sem partidos" era uma afirmação que se via em muitas faixas e cartazes nas passeatas e manifestações que mobilizaram o país no inverno daquele ano, fortemente protagonizadas por jovens que se articularam em torno da pauta inicial do aumento do preço das passagens de ônibus. Não me interessa aqui aprofundar o debate sobre aquele momento histórico, pois há muito material disponível, inclusive bons livros. É importante dizer, porém, que o movimento deu vez ao surgimento do Movimento Brasil Livre (MBL) e outras excrescências políticas que, na esteira das transformações políticas ocorridas a partir da massificação do discurso de Olavo de Carvalho nos anos 1990, sintetizam uma expressão política que traz a contradição na própria definição: a juventude conservadora. Juventude e conservadorismo são conceitos que não podem estar na mesma frase se não for em oposição direta. Apesar disso, na disputa pelas movimentações de 2013, a direita e a extrema-direita se deram melhor, e isso foi o embrião do golpe de 2016 e, desgraça maior, da eleição de Jair Bolsonaro em 2018. Um exemplo concreto das terríveis consequências de lutas orientadas por forças "apolíticas".
Feito esse rápido resgate histórico, retomo o tema inicial, relembrando que estamos há pouco mais de três meses das eleições mais importantes da história do país, e, concordando que ainda não é tempo para pesquisas eleitorais, me surge a ideia de uma pesquisa de caráter mais genérico:
- Em quem você votou para os cargos legislativos (senado, câmara federal, assembleia legislativa e câmara municipal) nas duas últimas eleições?
A pergunta parte da premissa que as pessoas se lembram em quem votaram para os cargos executivos (presidência da república, governos estaduais e municipais) e sabem o que os/as governantes estão fazendo. A depender da resposta, o questionamento inicial pode se desdobrar em outros:
- O seu ou a sua candidato/a se elegeu?
- Se a resposta anterior foi sim, você acompanha o seu mandato?
- Você sabe que há muitas formas de fazer esse acompanhamento, desde o contato direto pelas redes sociais, até consultas às páginas virtuais das casas legislativas ou à própria Justiça Eleitoral?
- Com as informações que tem, você votaria nele/a novamente?
Essa última pergunta pode vir acompanhada da observação que Sérgio Moraes, o que se lixa para a opinião pública, ainda anda por aí.
Sem nenhum embasamento metodológico, baseado apenas no contato com pessoas da minha convivência, posso afirmar sem medo de errar que há uma tendência de valorização apenas dos cargos executivos (presidência e governos estaduais e municipais). Muitas pessoas dão pouca importância e até esquecem em quem votaram para os cargos legislativos. Entre as que se lembram, pouquíssimas são as que fazem o acompanhamento dos mandatos. Há um número gigantesco de pessoas que decidem o voto somente pela propaganda eleitoral na TV, sem ter o menor conhecimento acerca da pessoa em quem vão votar, outras que votam fisiologicamente (algum favor prestado pelo/a candidato/a), e até as que se valem de fatores aleatórios, como a beleza, o time para o qual a pessoa torce etc.
Essa ignorância sobre o funcionamento do sistema político é fomentada pelas elites e suas marionetes políticas. Quanto mais as pessoas estiverem desinformadas acerca do papel dos/as agentes políticos/as, mais fácil a manutenção da hegemonia e do controle social. A presidenta Dilma Roussef foi impedida por falta de apoio no Congresso, já os bolsonaros não correm risco de investigações sérias sobre seus crimes, porque dominam politicamente as instituições. Veja-se, por exemplo, que a advocacia oficial que a família tem no MPF e na AGU, e até, não tenhamos ilusão, no STF, depende das articulações políticas feitas com os/as representantes do povo. Augusto Aras, o engavetador-geral da república, só foi nomeado por Jair Bolsonaro após o Senado, composto por pessoas eleitas pela população, aprovar a sua indicação. Da mesma forma com as indicações dos ministros da suprema corte feitas pelo presidente.
O problema da alienação do eleitorado é gravíssimo e gera uma vida inteira de discussões e debates, que, obviamente, não cabem aqui. Mas é preciso ocupar cada espaço que tenhamos, por menor que seja, para falar sobre a importância do engajamento político das pessoas, porque é pela política que tudo se decide. Enxovalhar a classe política, destruir a imagem dos partidos, convencer as pessoas que ninguém presta nesse meio, tudo isso são estratégias muito bem articuladas e manejadas pelas elites econômicas, que são, em última análise, quem dita as regras da sociedade capitalista. Quando mais pessoas analfabetas políticas houver, no conceito brechtiano, mais tranquilo será o trabalho de manutenção dos privilégios das altas classes.
O modelo de democracia possível neste momento é o da representatividade, e o veículo para que essa representatividade possa ser exercida é o partido político. Na fase atual da sociedade, onde não há partidos, há ditadura e totalitarismo, onde a classe política é desacreditada, o poder é exercido de forma autoritária e de maneira a atender apenas os interesses das elites. Agora, quando faltam apenas três meses para a eleição, é fundamental destinar um breve tempo do dia para pensar sobre a política, para projetar o que queremos para os próximos tempos: se a acelaração da marcha nazifascista do bolsonarismo ou se a possibilidade de retomar o caminho da democracia a partir da eleição de pessoas comprometidas com os interesses da população em todas as esferas. As eleições serão para: PRESIDENTE/A DA REPÚBLICA, GOVERNADORES/AS DOS ESTADOS, SENADORES/AS, DEPUTADAS/OS FEDERAIS e DEPUTADAS/OS ESTADUAIS. Cada um ou uma, na sua esfera de atuação, será responsável pelo preço da gasolina, do leite e de tudo o mais que está no dia a dia das pessoas. Não tem pesquisas ainda? Melhor que não tenha, não são as pesquisas que devem decidir o voto. O que deve decidir o voto é a análise da/do candidata/o, o trabalho já feito, no caso de reeleição, o alinhamento político e as bases que sustentam a sua candidatura.
Ou passamos a ter essa consciência, livre da manipulação feita pelas elites com o apoio da grande mídia; ou nos livramos da influência das mentiras e crimes, chamados eufemisticamente de fakenews; ou entendemos o rumo que o bolsonarismo está dando ao país e damos uma basta nisso, com a eleição de pessoas comprometidas com a democracia e os interesses do povo em todos os cargos; ou tudo isso ou a condenação das nossas filhas e dos nossos filhos à desgraça bolsonarista, que se alimenta do analfabetismo político.
O leite não vai baixar de preço se mantivermos os representantes da agroindústria nas casas legislativas; o preço da gasolina não vai baixar se não impedirmos Paulo Guedes de dar seguimento à sua política entreguista ultraliberal; o braZil não voltará a ser BRASIL se não derrubarmos bolsonaro e o bolsonarismo. Não sejamos analfabetos políticos, as próximas gerações não podem sofrer as consequências da nossa alienação.
FORA, BOLSONARO! FIM DO BOLSONARISMO!
Imagem de destaque copiada de: https://www.causaoperaria.org.br/rede/dco/politica/meu-partido-e-o-meu-pais-o-antipartidarismo-e-fascismo/. Acesso em: 7 de jul 2022.
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