Entre crimes e manobras diversionistas, o bolsonarismo não poupa aliados de primeira hora. Exceto...
O bolsonarismo não tem bandidos de estimação. Essa é uma verdade irrefutável. Dizer que o bolsonarismo é um sistema mafioso é crime. Um crime contra as máfias. As maiores organizações criminosas da história têm códigos de ética muito rigídos. As casas prisionais, que são postos avançados, quando não centros de atuação de algumas dessas empresas, mesmo quando administradas oficialmente pelo poder público se organizam em estatutos paraestatais coercitivos, que imputam sanções inapeláveis a quem descumpre as suas regras. Mesmo as guerras têm regulamentos e imperativos morais. Conta-se a história de um caudilho da Revolução Federalista de 1893, conflito que pela crueldade de seus métodos ficou conhecido como Revolta da Degola, que, capturado, pediu que fosse executado com sua própria arma. O chefe inimigo recusou-se e disse que com a arma do tal coronel só ele mesmo poderia atirar.
O bolsonarismo é diferente. O bolsonarismo não tem ética. As bases do bolsonarismo estão assentadas na guerra cultural, que ela própria, no modelo bolsonarista, é absolutamente antiética. Diferentemente do que acontece nos tipos mais conhecidos e estudados, na guerra cultural de Bolsonaro, que teve seus princípios estabelecidos e divulgados por Olavo de Carvalho, não basta anular a atuação do inimigo, ele deve ser eliminado, literalmente morto. O inimigo eleito desde sempre é a ameaça vermelha, o comunismo, na melhor tradição militarista brasileira, entretanto, por vezes o inimigo da hora é um antigo aliado, como já foi Sérgio Moro, Abraham Weintraub e outros tantos.
Milton Ribeiro não foi o primeiro e muito menos será o último dos ministros e nomes importantes do bolsonarismo a ser jogado aos leões. Ele é simplesmente a bola da vez. Dentro de poucos dias terá virado assunto de segunda página, como tantos outros. Ou terá sido mera coincidência que a deflagração da operação que resultou na prisão do pastor tenha acontecido no momento em que se debatia fortemente o assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira e que o mundo exigia uma explicação e apontava perigosamente para o envolvimento dos bolsonaros no crime? Nada é coincidência no mundo do bolsonarismo. Pensemos por um minuto: Fabrício Queiroz, onde está?; Ronnie Lessa e Adriano da Nóbrega ainda são assunto?; Ricardo Salles, Daniel Silveira, Roberto Jefferson, Adélio Bispo?; rachadinhas de Flávio Bolsonaro?; CPI da Covid? São tantos os fatos que amarram os bolsonaros a crimes de grande impacto e repercussão que quando se pensa em aprofundar um, ele já é jornal de enrolar peixe. Essa é a lógica que mantém o sistema. Quando a força de um fato começa a sair de controle, se lança mão de outro que, dada a agilidade das redes, vai dominar o noticiário e colocar a ameaça anterior na geladeira. Enquanto isso, se vão preparando novas bombas pirotécnicas e novos bois de piranha.
O mais terrível é que esse esquema funciona. Enquanto alguns fatos dominam os debates sem que as ações das falidas instituições republicanas cheguem a qualquer resultado minimamente satisfatório, Paulo Guedes, o verdadeiro artifíce do bolsonarismo, segue inatacável e convencendo a sociedade em geral com as desculpas mais esfarrapadas para a política econômica genocida do (des)governo. Bolsonaristas que beiram a demência comparam o preço dos combustíveis no braZil com o dos países europeus, com os EUA, com o Canadá. Não dizem, é óbvio, qual a média salarial da população nesses países e quantos litros de gasolina se podem comprar com um salário mínimo. Nenhum bolsonarista a quem perguntei soube justificar a medida que autoriza o sistema bancário a executar a casa de uma pessoa, mesmo que ela seja a sua única propriedade. Como também nenhum deles apresentou argumentos convincentes para os benefícios cada vez maiores concedidos aos grupos que administram planos de saúde privados enquanto o SUS é sucateado e desmantelado.
A essa altura, quem heroicamente conseguiu chegar até aqui na leitura certamente pensa que estou misturando assuntos diversos. Começo falando nos escândalos que estão na ordem do dia e sem mais nem nem menos passo para uma pauta econômica. Estamos falando de crimes, gostaria de lembrar que este é o assunto aqui. Primeiro: o programa econômico do bolsonarismo, que nada mais é do que uma sofisticação da plataforma ultraliberal que destruiu o Chile, por exemplo, é criminoso e mata milhares, milhões de pessoas todos os dias. Segundo: o bolsonarismo é um sistema econômico, que se vale dos meios políticos para implementar as suas diretrizes, e não poderia ser diferente, porque, nos regimes ditos democráticos, é a política que determina o rumo das coisas. Terceiro: os crimes que ganham as primeiras páginas atualmente estão inseridos na agenda dos interesses das elites que sustentam o bolsonarismo. Senão vejamos.
Não tenhamos a ingenuidade de pensar que os grandes barões do agronegócio e da mineração simplesmente não gostam de índios ou são racistas a priori. Para eles tanto faz como tanto fez. Se fossem negros no lugar de índigenas que estivessem a atravancar os seus negócios, a luta deles seria para eliminar os negros; se fossem arábes, eles seriam anti-islâmicos. Pouco importa que tipo étnico ou cultural represente o inimigo, o importante é que ele seja eliminado. Para fazer o trabalho sujo, aí sim é preciso de marionetes ideológicas, e aqui entra Bolsonaro. Racista, misógino, lgbtfóbico, violento, armamentista, militarista, admirador de torturadores, TFP, cristão na forma mais paradoxal do cristianismo, inegavelmente carismático, Bolsonaro reúne todas as caraterísticas necessárias para fazer o enfrentamento dos potenciais adversários de todos os matizes. E, sobretudo, completamente alienado de qualquer compromisso ético com quem não leve o seu sobrenome, ou seja, capaz de mandar para a forca mesmo quem ontem era amigo de botar a cara no fogo. É ou não é o nome perfeito para a causa?
Urge, então, que se estabeleçam prioridades inadiáveis e se entenda que o inimigo a ser combatido não é meramente Jair Bolsonaro, mas o sistema ao qual ele simplesmente empresta o nome. A luta é de classes. Discurso anacrônico? Conversa datada? Que seja, mas enquanto isso não for compreendido plenamente, o enfrentamento será muito duro e se restringirá a vitórias paliativas. Essas, no entanto, dada a gravidade da hora, são necessárias, porque representam o que está ao alcance, então não as desperdicemos. A derrota final do bolsonarismo passa necessariamente por derrubar Bolsonaro de imediato. Suceder o genocida, dito pela CPIzza da Covid, com um governo minado pelo tucanismo (nem tão) arrependido de Geraldo Alckmin não é nem de longe o ideal, mas é o que temos, e é fundamental ter consciência que esse é só o primeiro momento da luta. A partir do impedimento de um segundo governo nazifascista de Bolsonaro, devermos manter a guarda alta e enfrentar os próximos atos. Neste instante, porém, Lula/Alckmin é o caminho.
A emergência agora é pela derrubada de Bolsonaro, como marco inicial da desarticulação do sistema criminoso que ele represnta e, para isso, é de fundamental importância que paremos de cair nas esparrelas da sua interminável fábrica de bombas de fumaça. Cada luta tem seu tempo. Derrubado Bolsonaro, sigamos nas ruas e nas redes pelo fim do bolsonarismo.
Imagem de destaque copiada de: https://appsindicato.org.br/entenda-o-pacote-de-bolsonaro-que-coloca-o-estado-a-servico-do-mercado/. Acesso em: 24 de jun. 2022.
Como sempre, sensacional!
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