Procuram-se Revolucionários
O título pensado para esta crônica era "Procura-se Revolucionárias", mas como detesto correr riscos, mesmo com a quase nula possibilidade de leitura por algum gramático de plantão ou alguém da patrulha anti-identitarista, decidi não arriscar ser acusado de assassinar a última flor do lácio, que eu tanto amo, mesmo sem saber direito o que é.
Dito isso, começo observando um fenômeno interessante que vem aparecendo com frequência cada vez maior nas últimas semanas, especialmente depois das eleições municipais. Decretou-se a proibição de criticar o governo. Este fenômeno, na verdade, se desdobra em outras práticas. Por exemplo: jornalistas e comentaristas políticos de esquerda têm mostrado grande resistência em usar a palavra "base", ou, ainda mais explicitamente, no plural "bases". Claro que essa restrição só vale do Oiapoque pra baixo, porque um dos motivos alegados para a derrota democrata nos EUA é justamente que o governo Biden/Kamala abandonou o povo. Aqui, ousar dizer isso é como assinar ficha no PL.
Mas aí a vida anda e a gente vê que as duas pautas que de fato mobilizaram a sociedade este ano estão relacionadas a questões populares. Quando o poderoso Arthur Lira quis pautar a lei do estuprador, as mulheres se articularam e barraram o projeto. Agora, um jovem negro, vindo do norte, chamado Rick Azevedo, é o vereador mais votado pelo PSol no Rio de Janeiro, com quase 30 mil votos, e a pauta que ele levantou foi encampada pela deputada Erika Hilton, também do PSol, que é mulher trans e negra. Aí os anti-identitarista pira.
Qual a proposta que está provocando tanto debate no Brasil? Reduzir a jornada de trabalho. Algo que nos países civilizados, sempre evocados pelos liberais e pelos desenvolvimentistas, é discussão superada há muito tempo. Superada, pero no mucho, dada a escalada neofascista no velho mundo e na américa dos americanos. No braZil neoliberal de Lula, ops, desculpa, no Brasil da coalizão social de Lula, tem ministro do governo, da área do trabalho, que é contra, e diz que a coisa deve ser negociada entre trabalhadores e patrões. Claro que isso não é um governo neoliberal, longe disso...
É muito interessante observar que para além das grandes discussões sobre a macroeconomia, tema predileto da esquerda ortodoxa, o que mobiliza o povo são as questões que envolvem diretamente o dia a dia das pessoas. A segurança das mulheres, que se está precária, muito pior ia ficar se a lei do estuprador fosse aprovada, e a possibilidade das pessoas trabalhadoras terem um pouco mais de tempo para fazer coisas na vida que não seja trabalhar. Antes que os decoradores do Manifesto Comunista digam, digo eu: é evidente que esses temas, sobretudo o segundo, têm relação direta com a grande causa, que é a luta anticapitalista. Mas eu pergunto: isso vai mobilizar a Revolução? Depende. De que tipo de Revolução estamos falando? Daquela que preconiza a degola da burguesia e a instituição da ditadura do proletariado? Ou daquela, bem mais simples e viável, que melhora o dia da classe trabalhadora? De novo, não se discute o fato de que é preciso uma grande Revolução social, que talvez a nossa geração, a minha pelo menos, não conhecerá. Mas se o povo sentir o gosto das ruas de novo, as coisas podem começar a mudar. E o gosto das ruas não está no banquete revolucionário, mas no feijão com arroz diário. Pra que isso aconteça, talvez seja fundamental que a esquerda brasileira admita que as mesmas razões que levaram ao retrocesso absoluto na política estadunidense podem trazer de volta o bolsonarismo COM Bolsonaro. E aqui fica o gancho para o próximo assunto: como o que acontece no norte se reproduz no sul?
À REVOLUÇÃO!
Imagem de destaque: montagem feita pelo autor a partir de imagens obtidas em
https://economia.uol.com.br/colunas/carlos-juliano-barros/2024/11/11/vida-alem-do-trabalho-fim-da-escala-6x1-demanda-jornada-maxima-de-40-horas.htm e https://queer.ig.com.br/2023-03-10/24h-peticao-erika-hilton-cassacao-nikolas-ferreira-200-mil-apoios.html#google_vignette. Acesso em: 12/11/2024.
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