Descendo pra baixo
O braZil desceu vertiginosamente pra baixo nos últimos 6 anos. Talvez alguém pontue - e deve pontuar - que não é possível descer pra cima. Temos aqui um caso evidente de pleonasmo, redundância. Obviamente quem desce sempre o faz para baixo. Como recurso estilístico, geralmente empregado literariamente, se diz por vezes descer pra cima, ironicamente sempre, e mesmo descer pra baixo pode ser usado em um contexto menos formal, em que se queira ressaltar a queda. E esse poderia ser o uso que eu fiz para reforçar muito a queda do país desde o golpe de 2016, que deve ser muito lembrada para não ser mais repetida (digo isso pra não pensar em Renan, Jader e outros filhos no ministério do novo governo...). Mas a intenção aqui é outra.
Nos últimos tempos a grande mídia usou muito uma expressão que atualmente virou lugar comum: bolsonarista radical. Assim se referem aos imbecilizados patriotas da frente dos quartéis e essa qualificação sempre acompanha o nome de George Washington de Souza, o sujeito que pretendia explodir Brasília. Mas agora eu pergunto: e lá é possível existir bolsonarista não radical?
Eu penso bastante sobre as estratégias semióticas da mídia corporativa, mas sobre esse aspecto particularmente me chamou a atenção um artigo que o meu amigo Marcelo Cougo gentilmente compartilhou comigo e que vale muito a leitura:
O autor, Wilson Roberto Vieira Ferreira, faz uma análise muito precisa do momento atual e de como a mídia hegemônica está fazendo a cobertura jornalística dele. Tenho uma leve discordância de tom, porque entendo que ele desconsidera um pouco a capacidade de violência real e física dos bolsonaristas "radicais", e incluo nisso as forças armadas. Mas em relação à expressão tautológica, a observação é irretocável:
"'Bolsonarista radical' é um autêntico pleonasmo, uma expressão tautológica – o bolsonarismo é extremismo de direita. É claro que esse pleonasmo tem um ardil: que as manifestações (como aquelas dos 'patriotas') são legítimas e democráticas, desde que 'pacíficas'. E de que os bob jefersons e os george washingtons são apenas extremismo fora da curva. 'Malucos', 'manés', 'doidões' e assim por diante."
Os patriotas que não são radicais, porque não tentam explodir caminhões de combustível em aeroportos, estão há dois meses legítima e democraticamente pedindo a instauração de uma ditadura militar. E estão fazendo isso em áreas onde o cidadão e a cidadã comum sequer podem estacionar o carro. Mas eles, os patriotas não radicais, podem não só estacionar um caminhão de som (quem tá pagando essa farra?), como bloquear a rua, mesmo que ela seja considerada área de segurança. Não vou falar de novo sobre a reação da oficialidade quando professoras ou pequenos agricultores se mobilizam para algum ato. É que, como disse em outro escrito por aqui, esses patriotas não são perigosos integrantes do movimento estudantil, então que fiquem fazendo seus protestos democráticos. E, afinal de contas, todo mundo tem o direito de querer a instauração de um regime de exceção. É do jogo democrático.
Eu disse antes que tenho uma pequena discordância com o autor do excelente texto que referi, no que diz respeito à tranquilidade que ele aparentemente tem em relação ao potencial de ultrarradicalização dos bolsonaristas. (Aqui me permito uma flexão para dizer que todo bolsonarista é radical, mas nem todo é ultrarradical). Acho que nem tudo é semiótica. Vou tentar justificar.
Sou ouvinte convicto de radiojornalismo, e o faço em geral pelo rádio mesmo. Sempre preferi a Guaíba à Gaúcha, que eram as rádios eminentemente jornalísticas a que tínhamos acesso em Porto Alegre antes da internet. (Se a juventude quiser saber como era isso, joga no google.) Parece mentira, mas a Guaíba foi a Rádio da Legalidade. Hoje, por motivos óbvios (IURD, Guilherme Baumhardt, Alexandre Garcia etc.), quase não escuto mais essa emissora. Em raras ocasiões, quando há um fato de grande repercussão, boto na Guaíba para ouvir o que eles dirão. Assim o fiz na segunda-feira e tive a oportunidade de ver que o Alexandre Garcia falou sobre uma investigação sobre a vacina em um dos estados norte-americanos, sugeriu a responsabilidade da Simone Tebet pela tragédia da Covid, por ter combatido o tratamento precoce na CPI, mas não disse uma palavra sobre a tentativa de atentado do bolsonarista radical George Washington. Hoje botei lá de novo pra saber se diriam alguma coisa sobre a iminente fuga de Bolsonaro. Nada! Incrivelmente, um sujeito chamado Fabiano, cujo sobrenome nem quero lembrar, defendeu abertamente as pautas golpistas dos patriotas dos quartéis, exortou o uso de armas, disse que ele mesmo frequenta e contribui financeiramente com a manutenção do acampamento, falou que - pasmem - o caso do caminhão-bomba foi uma estratégia das forças golpistas (PT, STF etc.) para criar uma situação de terror e justificar o pouco público que estará presente na posse do novo governo, entre outras atrocidades, que, por tamanha imbecilidade, supreenderam até mesmo o conservador apresentador do programa. Não acreditam? Se eu não tivesse ouvido, também não acreditaria, mas é só procurar aqui:
https://www.facebook.com/radioguaibaoficial/videos/
Algo, porém, me assustou mais na fala tresloucada do patriota democrático. O apresentador, disse que não entendia a motivação dos acampados (pero no sin tierra) e perguntou se eles realmente acreditam no que defendem. O sujeito disse que as publicações do Diário Oficial nas últimas semanas ou meses (?) apontam para que "o Brasil será entregue pruma junta militar muito em breve", e mais, "quando eu digo muito em breve, entre hoje e amanhã". Seguiu-se um silêncio constrangedor, de um ou dois segundos, após o que o apresentador, notadamente surpreso, pede pro patriota reforçar, já que nem ele mesmo acreditava no que estava sendo dito. O sujeito, então, pediu auxílio ao outro participante, Júlio Ribeiro, que também é patriota, e alertou que o general indicado para o comando do exército no novo governo é ligado ao Braga Neto e ao Villas-Boas, cujas credenciais são dispensáveis aqui.
Minha paranoia não me permite ficar tranquilo quando:
- o chefe da caserna do Lula é amigo de bolsonaristas radicais e do próprio Bolsonaro;
- Bolsonaro nomeia numa boa o novo general para um mandato interino até a posse definitiva;
- Bolsonaro está com as malas e o avião (da FAB) pronto pra voar pros EE.UU., mesmo tendo sido indiciado pela Polícia Federal por crimes gravíssimos;
- bolsonaristas radicais tocam horror e fogo em ônibus e quase ninguém é preso;
- um caminhão com milhares de litros de querosene é deixado para explodir perto do aeroporto (semioticamente ou não) e só o George Washington é preso, mesmo tendo dito a obviedade que há muito mais gente, inclusive milicos, por trás disso;
- mais de 40 ônibus de bolsonaristas radicais estão indo pra Brasília (fora o resto do braZil), financiados pelo agronegócio e o alto empresariado;
- Renan e Jader Filhos integram o ministério de um governo cujo vice-presidente é o Alckmin;
- etc. (reforço no etc.)
Na melhor das hipóteses, tudo indica que o novo governo facilitará as coisas para que Bolsonaro e seu clã de bandidos saiam ilesos disso tudo. Será que teremos um novo acordão, com supremo, com tudo?
Tenho receio que a descida para baixo do Brasil (braZil?) não pare depois do reveillon.
Imagem de destaque editada a partir de: https://www.youtube.com/watch?v=C0qdZLUYReI. Acesso em: 29 de dez. 2022.
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