Ah, mas o Daniel Alves não poderia ter sido convocado...
Há exatos 84 anos ocorria um evento que marcaria o início do Holocausto. Na noite de um dia como hoje, em 1938, milícias nazistas atacaram violentamente sinagogas, casas, estabelecimentos comerciais, hospitais e escolas judaicas por toda a Alemanha e em alguns pontos da Áustria e da Tchecoslováquia. O alto comando do Reich atribuiu o episódio a uma reação espontânea do povo alemão, em represália ao assassinato do diplomata Ernst vom Rath, em Paris, por um jovem judeu. Joseph Goebbels, o poderoso ministro da propaganda do regime nazista, desautorizou manifestações das forças oficiais, porém disse que caso ocorresem atos populares espontâneos, não deveriam se repelidos. Dias depois, outro prócer ariano, Hermann Göring, comandante da SA disse que se 200 judeus tivessem sido mortos (foram "somente" 91, segundo os dados oficiais), teria sido melhor do que os prejuízos materiais dos ataques. Alguns anos depois, uma ordem de Reinhard Heydrich, chefe do Departamento Central de Segurança do Reich, determinava que todo judeu fosse identificado pelo uso de uma estrela amarela (estrela de Davi).
Quando vejo muitas pessoas se apegando à repercussão internacional como argumento que impediria o golpe sonhado por Jair Bolsonaro, imediatamente me ocorre que a ideia de identificar os judeus já circulava nos círculos do poder nazistas desde pelo menos 1937, mas o próprio Hitler não tinha convicção sobre isso, temendo justamente a repercussão internacional. Até que em 1941, com a guerra em pleno curso, os pudores do Führer foram pro espaço e o decreto entrou em vigor em 19 de setembro. Também me vêm à memória as práticas nazistas quando retomo o primeiro dos dois pronunciamentos de Bolsonaro depois da confirmação da vitória de Lula, quando disse que os atos golpistas nas estradas eram uma reação espontânea do povo a uma eleição injusta. E de imediato me ocorre a fala do general vice-presidente da república sugerindo a ilegitimidade da eleição de Lula, que, segundo o senador eleito, não poderia concorrer, pois deveria estar preso. Além disso, a inação das forças de segurança, em especial a Polícia Rodoviária Federal, cujo comando foi conivente com as manifestações dos golpistas, é semelhante à determinação de não interferência dos agentes oficiais por ocasião do pogrom de 9 de novembro de 1938. E o que dizer das listas de comerciantes "petistas" que devem ser boicotados e da proposta de marcar casas de "petistas" com uma estrela vermelha? Como última relação dos acontecimentos da Noite dos Cristais e da posterior ascensão do nazismo com o braZil do bolsonarismo, lembro que quase 700 mil mortos pela Covid não são tão lamentados pelo presidente quanto os prejuízos econômicos decorrentes do isolamento social.
Gente, quem não consegue enxergar com clareza solar as relações entre o bolsonarismo e o nazismo é muito ingênuo ou tenta usar métodos de distração mental para evitar pensar no perigo que estamos vivendo. Nem falo no que tem de fascista a retórica bolsonarista, que esta é inquestionável a partir do lema Deus, Pátria, Família e Liberdade. A apropriação dos símbolos nacionais, o caráter messiânico do sistema, a manipulação das massas pela divulgação de mentiras e tudo mais são elementos que não permitem qualquer contestação. Mas o que me preocupa agora é que a eleição de Lula parece ter criado uma cortina de fumaça alucinógena que faz com que grande parte das pessoas que se uniram para impedir a reeleição de Bolsonaro acredite que tudo está resolvido. Não, mil vezes não! Serei repetitivo para dizer que o bolsonarismo é muito maior do que Jair Bolsonaro e que a eleição de Lula, heroica sob todas as circunstâncias e aspectos (hoje alguém lembrou que elegemos Lula sem sequer poder botar um adesivo no carro), representa apenas a parte formal do combate à escalada da extrema direita no país, mas não pode arrefecer a luta. Retomando as palavras do general Mourão, o couro vai comer a partir do dia 2 de janeiro. Eu vou além, o couro já está comendo. Subestimar essa gente alucinada que bloqueia as estradas e as ruas nos entornos dos quartéis é algo extremamente imprudente e perigoso. Achar que são apenas malucos que vão pra casa quando bater o cansaço é se iludir quanto aos caminhões (com o perdão pelo trocadilho) de dinheiro que estão sendo despejados para manter essas manifestações. E quando falo em caminhões de dinheiro, não me refiro apenas aos cofres abertos do papagaio da havan e outros empresários canalhas e golpistas, mas de dinheiro internacional, que atende aos interesses da cavalgada ultrarreacionária mundial, que passa pela premier italiana, pela eleição de Benjamin Netanyahu e chega até a rearticulação do trumpismo. Não estamos sós na nova onda fascista, ela é mundial, e achar que as nossas instituições republicanas em estado pré-falimentar e o caráter "democrático" do governo Joe Biden vão nos livrar de um golpe do fascismo bolsonarista é, na minha opinião, de uma ingenuidade pueril.
A esquerda cirandeira, na certeira definição de um grande amigo, que se horroriza pela descida aos porões da política carluxiana empregada por André Janones, que foi o elemento decisivo para a vitória de Lula, muito mais do que o engajamento da ruralista Simone Tebet, não pode levar a cabo a sua ilusão de que os nossos irmãos democratas ianques e a atuação do amigo xandão vão garantir um novo tempo em que a paz e a fartura brotem das mãos. A Americana Pátria sabe que guitarra y canto libre exigem vigilância constante e permanente disposição para a luta. Como a ferrugem, o fascismo nunca dorme, e se Jair está quieto, algo está acontecendo.
Um último alerta, a copa do mundo se avizinha...
Imagem de destaque copiada de: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/11/atos-golpistas-pelo-pais-sao-inflamados-por-fake-news-e-bolsonaro.shtml. Acesso em: 9 de nov. 2022.
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