Na cidade de cabeça pra baixo. Ou: a fabulosa fábrica de esquisitices chamada braZil¹
Este blog nem sempre foi declaradamente alucinógeno. Houve um tempo em que ele só andou de cabeça pra baixo. Inspirado numa música do Raul Seixas que explicava alguns conceitos da Sociedade Alternativa, chamei este mural inicialmente de Na Cidade de Cabeça pra Baixo. O que Raul não sabia - ou talvez soubesse, sei lá - é que fazendo a descrição de uma maluquice nos anos 1970 ele estaria antecipando o que viria a ser o braZil algumas décadas depois. Se bem que, pensando bem, o braZil nunca foi muito normalzinho. Mas, de qualquer forma, o que acontece por aqui desde a ascensão dos bolsonaros ao círculo mais alto do poder supera qualquer roteiro do cinema de Buñuel e qualquer letra de Raulzito.
Começo retomando uma ideia que adotei de um grande amigo, que na época da campanha presidencial de 2018 disse que só no braZil o povo vota em um candidato porque ele não vai cumprir as promessas da campanha. Jair Bolsonaro é o verme que hoje se sabe desde sempre. Nunca escondeu isso. Por isso eu sempre questionei a afirmação de que ele foi eleito pelo antipetismo. Se é verdade que teve muito desse sentimento, eu penso que ninguém votou no Messias unicamente por isso, mas também por algo que está no dia a dia da classe média brasileira: o medo e o ódio. Medo por conta da insegurança e ódio contra aqueles que supostamente promovem essa insegurança. Falar que bandido bom é bandido morto agrada essa parcela da população. É natural que quem sofre algum tipo de violência queira se vingar do agressor. E a vingança individual é justificada. O que não pode é o estado ser o vingador. Mas quando se está diante de um estado que vem falhando sistematicamente na função de mediar as relações sociais e aparece alguém que diz que vai fazer com que as pessoas possam sair às ruas a qualquer hora do dia ou da noite sem medo de assaltos ou qualquer tipo de violência, porque os perpetradores dessa violência estarão presos e logo em seguida mortos, é explicável que essa pessoa vire uma espécie de herói nacional. Procurar na sociologia e nas outras ciências humanas as origens dessas relações desequilibradas que transformam algumas pessoas, sempre com o mesmo padrão, em bandidas, é, talvez, pedir demais para quem precisa trabalhar de manhã para comer à noite. É bem mais fácil delegar essa função para um agente político que tenha a solução, e aí o fato da violência vomitada poder se voltar contra si em algum momento fica em segundo plano. Esse é um dos problemas da democracia representativa, mas não vou entrar nesse debate agora.
Está aí, então, a primeira esquisitice do nosso país, votar em alguém por acreditar que ele não vai fazer o que reiteradamente diz que vai fazer. Só que nessa nos demos mal, porque Jair Bolsonaro é um facínora, mas não é um enganador, pelo menos na plataforma política, e não só fez tudo o que prometia, como muito mais. Em vez de matar 30 mil, consertando um erro da ditadura, matou 700 e tantas mil pessoas pela má gestão da crise da Covid (estatísticas oficiais), por exemplo. E nem vamos entrar na política econômica de Paulo Guedes, que, a propósito, saiu ileso de quase 4 anos de ataque da Rede Globo ao governo. Por que será que a vênus platinada detonou deus e o mundo no governo, mas sempre livrou a cara do súper ministro? Que, aliás, está em local incerto e não sabido curtindo os frutos do seu "trabalho".
(Esquisitice nº 2) Logo depois que foi eleito, Jair Bolsonaro começou a articular o golpe que o permitiria se manter no poder. Fez isso diariamente e usando todos os recursos disponíveis. Foi traído pela própria arrogância, porque imaginou que se reelegeria com facilidade. Quase se reelegeu, de fato, mas não conseguiu, e por isso teve de lançar mão do plano golpista de forma objetiva. E aqui se situa a segunda grande contradição braZileira. O discurso bolsonarista se resume a uma cantilena que já encheu o saco, dizendo que não houve golpe; que não tinha tanque na rua (será por que os tanques não conseguiram sair dos quartéis?), o que vai de encontro ao discurso do filho zero três, que disse certa feita que pra fechar o Supremo não precisaria mais que um cabo e um soldado; que o presidente nem estava no país, portanto não há que se falar em sua participação e bla, bla, bla. Ora, se não houve golpe ou sequer tentativa, por que então se pede anistia? Estaria o bolsonarismo inaugurando uma nova figura jurídica, a anistia preventiva?
Agora, quando se pensa que o gabinete de curiosidades do bolsonarismo não vai apresentar mais nenhuma bizarrice, eles mostram que não podem ser subestimados. (Esquisitice nº 3) O mesmo filho número zero três, também conhecido por Dudu Bananinha, pede licença do mandato parlamentar, sem remuneração, por supuesto, e foge para a terra do tio sam, sob pretexto de perseguição pelo ativismo judiciário nazifascista do ministro Alexandre de Moraes. Diz que vai pedir asilo político ao parça Donald Trump. Eduardo Bolsonaro circula livremente pelos EE.UU. e volta ao braZil na hora que bem entende, usando o passaporte diplomático. - (Esquisitice nº 3.1): passaporte diplomático que foi retirado de noite e restituído de manhã, para ser novamente cassado logo depois da entrada nos EUA de Abraham Weintraub, que virou desafeto dos bolsonaros. - De todos filhos machos conhecidos do patriarca Jair, Eduardo é o único que não é investigado pela polícia ou pela justiça, embora tenha reiteradas vezes cometido o crime conhecido como lesa pátria, tipificado na Lei nº 14.197, de 1º de setembro de 2021. Inclusive, desmanchando essa mentira de perseguição, o Procurador-Geral da República se manifestou contrariamente à apreensão do passaporte de Dudu, manifestação acolhida pelo Torquemada braZileiro do terceiro milênio.
Há alguns dias, o jornalista Elio Gaspari cravou que Jair Bolsonaro vai se esconder em alguma embaixada tão logo seja decretada a sua prisão (para constar: eu ainda não estou seguro que essa prisão seja decretada). A ver pela fuga antecipada do filho querido, mesmo sem ter razão alguma que justifique, é provável que o experiente jornalista esteja certo. E aí, cravo eu, as instituições republicanas, com Supremo com tudo, ficarão olhando tudo acontecer e a sentença condenatória de Jair Messias Bolsonaro vai ser emoldurada e cópias serão distribuídas para enfeitar as paredes dos gabinetes de juristas e jornalistas progressistas (e iludidos) espalhados pelo BraZil das esquisitices.
E nós, o povo braSileiro, seguiremos como moscas andando com os pés no teto da cidade de cabeça pra baixo.
¹Pensei num segundo subtítulo para esta crônica: A fuga das galinhas, mas desisti em tempo de não cometer essa injustiça contra as pobres aves.
*Imagem de destaque: https://kaosenlared.net/brasil-ultimas-deputado-bolsonaro-foge-e-se-licencia-do-mandato-video/. Acesso em 19/3/2025.
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