A classe méRdia não gosta de escracho. Ou: não incomodem o general



O Brasil de Lula e Olavo de Carvalho criou uma figura absolutamente paradoxal e que a história, a sociologia, a ciência política e nem mesmo a antropologia conseguiram ainda definir: o jovem conservador. Botar Lula e Olavo de Carvalho na mesma frase parece tão estranho como a expressão jovem conservador, já que os pares de conceitos são absolutamente antagônicos entre si. Acontece que o tempo de governo central do PT, que inclui os dois mandatos de Lula e o mandato e meio de Dilma, meio que entortou a cabeça de certa juventude das classes médias e altas, que, instruída pelo subdimensionado Olavo de Carvalho, se viu impelida a se posicionar contra um governo de (muito ao centro) esquerda. É próprio da juventude ser do contra, ser revolucionária, e por isso é chocante a imagem do jovem conservador, mas num contexto político em que um partido com raízes na esquerda emplaca três mandatos e meio as coisas começam a se explicar melhor. Contra quem a juventude iria direcionar as suas baterias?

Quem entendeu esse fenômeno na primeira hora foi a extrema direita, principalmente a partir do magistério do seu maior guru brasileiro, que criou um canal no Youtube em que dava aulas para a formação de jovens reacionários. A primeira grande manifestação desse novo modelo aconteceu, talvez, nas Jornadas de 2013, que deram origem a um grupo chamado MBL, para ficar no mínimo. Daí para o apoio massivo, inclusive na esquerda, que teve o processo golpista de 2016, foi um pequeno passo.

Ontem, 24 de fevereiro, a juventude verdadeiramente revolucionária deu um sopro de vitalidade e esperança naquilo que se converteu no paraíso democrático após a eleição de Lula em 2022. Militantes do Levante Popular da Juventude fizeram um escracho na frente da casa de José Antônio Nogueira Belham, um dos mais longevos canalhas da caserna, participante ativo dos rituais de tortura, assassinato e desaparecimento do corpo de Rubens Paiva. 

Neste momento quero fazer apenas uma observação sobre como esse ato necessário da juventude repercutiu numa figura carimbada da crônica política dita progressista. Na edição de hoje do ICL Notícias, o colunista Chico Pinheiro, que por diversas vezes já disse que os milicos golpistas de 2022/23 envergonham o "verdadeiro exército de caxias", disse que teve uma primeira impressão positiva sobre o ato, mas depois qualificou como o "método da barbárie". Isso mesmo, o democrata Chico Pinheiro disse que a ação da juventude foi um ato de barbárie! E não parou por aí. Escancarando o pensamento da burguesia méRdia braZileira, disse que os jovens e as jovens estavam incomodando a vizinhança do facínora. Isso tudo pode ser conferido a partir de mais ou menos 2 horas de transmissão no vídeo lincado. 

Neste mesmo ICL, que por ser um dos veículos mais importantes na resistência ao fascismo não pode ficar imune às críticas, recentemente houve dois episódios lamentáveis envolvendo o jornalista César Calejon e o historiador Jones Manoel, com a participação do diretor do instituto, Eduardo Moreira, e na semana passada Leandro Demori, diretor de jornalismo do ICL, e o portal Brasil 247. Quem quiser saber mais sobre esses casos pode pesquisar na internet. 

Com tudo isso, cabe uma pergunta: que campo político apresenta rachas realmente importantes: a extrema direita, como volta e  meia é alardeado nos canais progressistas, ou a própria esquerda, que é incapaz de deixar de lado por muito tempo o ego, a arrogância, a prepotência e o autocentrismo de seus articuladores? No momento em que o povo, pela ação da juventude, como sempre, começa a retomar o espaço do debate democrático, que é a rua, seria de se esperar que todos e todas que de verdade lutam por um país e um mundo melhor se unissem em apoio, e nunca o posicionamento anacrônico e até reacionário do jornalista Chico Pinheiro. Ao chamar de barbárie o ato da juventude, Chico avoca a responsabilidade de escrever um dicionário de língua portuguesa que contenha a palavra certa para definir os atos dos assassinos contra o qual a rapaziada protestava. 

O ácido e debochado Nei Lisboa disse certa vez em uma de suas canções: "Cada povo tem o novo que merece e o Menudo vem com tudo e com razão". Será que merecemos uma crônica política que faça advertência aos jovens revolucionários para que não incomodem os vizinhos de um torturador? Se é assim, talvez em 2027 estejamos dizendo que Bolsonaro vem com tudo e com razão. 


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