Dos nossos racistas cuidamos nós!


 

Reza a lenda que no auge da linha dura, o chefe das organizações Globo, Roberto Marinho, que foi apoiador de primeira hora do golpe de 1º de abril e construiu o seu império justamente a partir da instalação da ditadura civil-militar de 64, teria respondido ao poderoso Ministro da Justiça do governo Castello Branco da seguinte forma:

    - Vocês cuidam dos seus comunistas que dos meus cuido eu.

A resposta teria sido dada a um pedido de cabeças de jornalistas feito por Juracy Magalhães. Se é verdade não posso afirmar, mas o fato inescapável é o apreço da vênus platinada aos golpes de estado (1º de abril, Collor, Dilma, Bolsonaro).

O papo agora, porém, não é comunismo, mas racismo. No último domingo ocorreu o décimo fato isolado de racismo contra o jogador Vini Jr. O assunto está amplamente divulgado pela imprensa e, por isso, não vou entrar em detalhes. Me interessa agora avaliar a postura da crônica esportiva sul-rio-grandense, especificamente dos jornalistas que trabalham na globinho gaúcha. 

Ouvi uma boa parte do Sala de Redação ontem e, com grande satisfação, acompanhei as manifestações inflamadas dos integrantes do programa condenando o que aconteceu na Espanha. Foram unânimes na bancada as críticas, algumas bastante pesadas, aos acontecimentos, desde o ato da torcida e de alguns jogadores do Valência, até a postura a imprensa e do presidente da La Liga, Javier Tebas, sujeito admirador do franquismo, manifestação espanhola do fascismo. Uma crítica, em particular, me chamou a atenção. Foi dito que é um absurdo que algumas pessoas tratem casos desse tipo como restritos à rivalidade entre os clubes espanhóis, Barcelona e Real Madrid em particular. Mais ou menos a 50 minutos do programa, um dos integrantes referiu o "DNA" do Real Madrid e suas ligações históricas - e abertas - com o regime franquista. No contexto do debate, essa referência ficou como algo mais o menos assim: o Real Madrid sai do fascismo, mas o fascismo não sai do Real Madrid. Mas... sobre a histórica postura racista institucional do Grêmio, o que pensam os jornalistas da casa dos Sirotsky?

Ficou célebre o "Caso Aranha", em que o Grêmio foi eliminado da Copa do Brasil pelos atos racistas da sua torcida contra o então goleiro do Santos. Aqui se vê a maneira como o fato repercutiu no mesmo programa Salda de Redação. O sujeito Luís Carlos Silveira Martins, vulgo Cacalo, disse, em resumo, que a culpa de tudo foi do Aranha, que "fez uma cena teatral após ouvir um gritinho". Qualquer semelhança com a postura de certas autoridades epanholas no caso Vini Jr. não é mera coincidência.

Ao longo da história, as atitudes escancarademente racistas de grande parte, repito, grande parte da torcida gremista foram tratadas pela crônica esportiva local como folclore, coisas decorrentes da rivalidade Gre-Nal. O caso aranha foi apenas mais um dos fatos isolados do racismo gremista, só que naquela ocasião, dada a repercussão nacional e até internacional, não foi possível não disctutir o assunto. Mas e as inúmeras vezes em que a torcida colorada é chamada de macacada pela torcida gremista? Folclore. A cada Gre-Nal que se ouvem gritos de "uh, uh, uh" e movimentos  de imitação a macacos na torcida do Grêmio? Folclore. Toda a vez que a torcida gremista canta em alto em bom som: "Chora macaco imundo!" para a torcida colorada? Folclore. 

Se, como defende um integrante do Sala de Redação, não é possível simplesmente apagar a história fascista do Real Madrid, por que é possível, em terras continentais de são pedro, apagar a história racista do Grêmio? Isso tem nome e o nome disso é hipocrisia. Pau que bate em chico não bate em franciso quando o francisco é amigo. O que vale lá não vale aqui. Os nossos racistas não são tão racistas, enfim, são apenas meninos provocadores, como já disse um antigo dirigente gremista. 

Engana-se, porém, quem pensa que a minha crítica se restringe ao âmbito do Grêmio e ao jornalismo hipócrita da RBS. Uma pesquisa nas atas do Conselho Deliberativo do Internacional vai mostrar muitas manifestações altamente preconceituosas e algumas incrivelmente racistas por parte de conselheiros do Inter. Um conselheiro de grande projeção e destaque social, que recentemente ocupou pasta importante na atual gestão, não se furta de usar termos há muito banidos do linguajar das pessoas conscientes, como "denegrir" e "época negra do futebol colorado", por exemplo. Outro, ex-conselheiro e também dirigente em diversas ocasiões, tentou excluir o Saci como símbolo colorado, sob a alegação de não ser boa influência para as crianças coloradas, já que, segundo essa pessoa, poderia ser visto como usuário de drogas, por conta do cachimbo e, pasmem, perdedor, por não ter uma perna. Nesta série de artigos a polêmica pode ser acompanhada.

O combate ao racismo deve ser uma bandeira permanente e exige o comprometimento de toda a sociedade civil. Mas esse combate não pode ser seletivo e hipócrita. Racismo é racismo nos campos da Espanha e nos campos brasileiros, inclusive na Arena OAS e no Gigante da Beira-Rio, e deve ser atacado e aniquilado em qualquer esfera, sobre pena de acharmos que vamos resolver o problema cuidando dos "nossos" racistas. 

https://observatorioracialfutebol.com.br/historias/futebol-a-cores-uma-historia-de-racismo-no-rio-grande-do-sul/

*Imagem de destaque: https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/historia-o-folclore-esta-desaparecendo-ou-apenas-se-reinventando.phtml. Acesso em 23/5/2023.

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