Deus salve o comunismo!
Em grande parte, a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 se deve à realimentação do discurso anticomunista, que de tão anacrônico parecia realmente ser coisa de livro de história. Parece mentira, mas cheguei a ver requentada a frase "comunista come criancinha", no contexto da defesa da legalização do aborto. Como o (des)governo protofascista é um paradoxo em si mesmo, o comunismo, tomado na visão deturpada do bolsonarismo, foi justamente o que permitiu que ele se sustentasse e que a possibilidade (real) de reeleição de Bolsonaro se transformasse no pesadelo atual das pessoas verdadeiramente de bem (se não é, deveria ser).
Ao fim do primeiro ano de governo, Bolsonaro já havia mostrado de forma muito clara que estava disposto a cumprir todo o programa eleitoral. Ele nunca escondeu, antes de ser presidente, que é um sujeito racista, misógino, lgbtfóbico, violento etc. O que talvez não se soubesse é das suas aproximações com as milícias e outras organizações criminosas. Além do próprio Bolsonaro ter escondido isso, obviamente, ainda vige na ideia comum do povo a imagem da incorruptibilidade das forças armadas, origem do personagem Jair Messias Bolsonaro. Apenas para registrar, trata-se de conceito absolutamente fantasioso, porque, para muito além do que os generais de Bolsonaro vêm mostrando, a caserna é palco de muita corrrupção, e grande. Mas deixemos isso pra outro momento.
Bolsonaro deu seguimento à política entreguista e antipovo do governo golpista de Michel Temer. Entretanto, alguns elementos de sustentação da plataforma governista começaram a falhar. A farsa da Lavajato veio à tona e a operação foi a um só tempo implodida e explodida. Implodida com a saída de Sérgio Moro para o governo que ajudou a eleger (ética°), e explodida pelo próprio Bolsonaro, porque no seu governo não havia corrupção (mentira²). A arrogância e a autoconfiança exarcebada de Bolsonaro não lhe permitiram perceber que com isso a prisão política de Lula passaria a ser questionada, como foi, e a chance do ex-presidente e potencial candidato estar livre para ameaçar a continuidade do projeto nazifascista em 2022 estaria aberta, como está.
O descontentamento de parte do povo com a desarticulação dos programas sociais herdados dos governos petistas, aliada com a tomada de consciência das pessoas que haviam se deixado enganar pela retórica bolsonarista, ameaçava complicar as coisas para Bolsonaro. Entra em cena, então, o vírus "fabricado nos laboratórios vermelhos do regime do PCCh (Partido Comunista Chinês)", que, para alegria de Bolsonaro e seus sequazes, chegava para tirar a vida de milhares de pessoas que poderiam estar nas ruas exigindo a guilhotina para a versão braZileira do rei sol. Essa afirmação se baseia no fato de que grande parte das mortes pela Covid ocorreram e continuam a ocorrer entre as camadas mais vulneráveis da população, onde estão as pessoas que mais sofrem com a política nefasta do governo e, por isso, as mais interessadas na sua derrubada. Além das mortes, muitíssimas delas ocasionadas diretamente pela falta de uma política de enfrentamento do governo, ou melhor, pela política de não enfrentamento à pandemia, a necessidade de isolamento inviabilizou a organização do povo nas ruas, que, como a história já mostrou, é a única maneira de provocar mudanças radicais no sistema político. Sem manifestação presencial das massas revoltadas, o destino dos bolsonaros e do governo ficou sob o encargo das instituições republicanas. Essas, ou estão aparelhadas ou estão falidas, como comprovam a CPI(zza) e o PGR. Ou as duas coisas. E assim a pandemia garantiu a sobrevida de Bolsonaro.
O ano de 2020 foi dominado pela pandemia, e o bolsonarismo deitou e rolou, com o Messias debochando da doença e das mortes. Os efeitos da crise sanitária foram positivos para Bolsonaro, tão positivos que ele se permitiu mesmo oferecer a cabeça de um aliado de primeira hora, responsável direto pela eleição: Sérgio Moro, o ex-paladino da luta anticorrupção, foi rifado no governo, e passou de postulante ao cargo de ministro do STF a condenado ao possível ostracismo. De qualquer forma, como é bem provável que os crimes que o ex-presidenciável pela terceira via cometeu nunca sejam investigados, ele poderá gozar de tranquila aposentadoria com os recursos que amealhou prestando consultoria às empresas que ajudou a quebrar enquanto era comandante da Lavajato.
Nesse contexto, como bem disse Ricardo Salles, a pandemia abriu a porteira para passar a boiada. Grileiros, barões do agronegócio e da mineração, exploradores dos planos de saúde privados e das grandes redes de educação, banqueiros, donos de casas de apostas e outros profissionais da especulação predatória, responsáveis diretos pela miséria de milhões de pessoas, se deram muito bem. Para manter a porteira escancarada, o boicote à vacina foi levado ao extremo. As trapalhadas do general especialista em logística colocado à frente do Ministério da Saúde, todas elas bem planejadas, garantiram a lentidão da imunização efetiva da população, o que deu fôlego para a necropolítica governista e também rendeu algumas boas negociatas nos preços pagos pelos milhões de doses de imunizantes.
A vacinação em massa, que já não podia mais ser evitada, encorajaria o povo a ir às ruas pelo impeachment e a investigação dos crimes da família, então outras estratégias precisavam ser trabalhadas para desviar a atenção e neutralizar a ação das forças de oposição e resistência ao governo fascista. Assim, a fábrica de bombas de fumaça começou a trabalhar a todo vapor. Da roubalheira de Flávio Bolsonaro, carinhosamente apelidada de rachadinha, ao maior escândalo de todos os tempos da última semana, envolvendo o amigo que recebeu a presidência da Caixa Federal, a partir de meados de 2021 os fatos escabrosos envolvendo os bolsonaros e o governo tomaram o noticiário, se sucedendo semanalmente na ordem do dia. O Jornal Nacional, principal veículo de (des)informação da maioria da população, passou a atacar sistematicamente Bolsonaro e seu exército, com uma única exceção: Paulo Guedes, garantidor do projeto ultraliberal que levou as elites econômicas e apoiar a eleição do capitão. A Globo e os think tanks associados não pregam prego sem estopa.
Acontece que entre um caso de corrupção e outro, um assassinato e o da próxima semana, nos intervalos disso, o povo começou a perceber que a fome já atacava um número imenso de pessoas, e mesmo aquelas que não estavam ainda nesse extremo experenciaram uma queda significativa no padrão de vida. O churrasco semanal passou a ser mensal, bimestral, semestral, até que foi totalmente inviabilizado. Os passeios de lazer escassearam e grande parte da renda das famílias teve de ser redirecionada para o tanque do carro e o botijão de gás. O povo literalmente passou a trabalhar só para poder comer. Em casos mais graves, que não são poucos, nem trabalho nem comida. A instabilidade gerada a partir disso começava a preocupar os altos escalões. Nesta hora de incerteza, novamente um irmão comunista estende a mão. Vlad Putin resolve dar uma forcinha para a bancarrota da economia mundial e assim, no braZil bolsonarista, tudo, tudo mesmo, inclusive as coisas que não sofrem nenhuma influência do conflito europeu, passou a ser explicado pela Guerra da Ucrânia.
Só que 2022 é ano de eleição e o lado mau do comunismo está perigosamente solto e tem nome: Lula. O que fazer, então? Mandar prender o homem de novo não vai dar certo. Sofrer outro atentado seria golpe de sorte difícil de acreditar, além do que não se acharia fácil outro Bispo com disposição para esfaquear o Messias. Uma vez mais o comunismo aparece como salvação e a inspiração vem das políticas sociais do campo da esquerda, evidentemente distorcidas pelos gênios estratégicos bolsonaristas. Com uma população prensada pelo problema imediato da fome e da falta de possibilidades de subsistência, algumas medidas para melhorar a vida dessa gente vêm bem a calhar. Risco calculado, porque o socialismo bolsonarista é emergencial e temporário, e quando entrar novembro o genocídio pode ser retomado, porque o voto já estará na urna e a faixa já estará no peito. A lógica está clara: oferecer uma trégua para a massa desassistida pode garantir a sobrevida dessa população até a eleição, que é só o que importa. Depois disso, 4 anos garantidos para levar ao cabo a destruição do país e das classes pobres.
É fundamental, então, que o povo entenda que o pacote de bondades que o governo nazifascista está apresentando tem única e exclusivamente intenção eleitoreira e mira somente a sobrevivência do sistema. O próprio Paulo Guedes chamou de PEC Kamikaze a medida que manda às favas o teto de gastos do governo e oferece um alívio imediato, mas transitório, para as dores do povo. Além de inconstitucional, a PEC 1/2022, é uma bomba relógio, que vai explodir no colo das prefeituras e dos governos estaduais em poucos meses. Aqueles alinhados ao bolsonarismo, como em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul atualmente, pouco se importam, mas as consequências para o povo serão catastróficas. E serão ainda mais trágicas se a medida eleitoreira suja atingir o verdadeiro efeito da sua motivação: a reeleição de Jair Bolsonaro, que, caso ocorra, será a pior desgraça coletiva da história do Brasil.
A perspectiva é absolutamente distópica, não há nenhuma dúvida. Então, é hora do povo acordar e ver que só há um caminho: DERRUBAR JAIR BOLSONARO e DESTRUIR O BOLSONARISMO. Ou isso ou as nossas crianças sequer viverão para que sejam comidas pelos comunistas malvados.
Imagem de destaque copiada de: https://www.terra.com.br/diversao/tv/como-telejornais-mostraram-o-bolsonaro-comunista-na-russia,d75e01a08d36fcd0b615c57c7fe3d497os6rcz4j.html. Acesso em: 4 de jul 2022.
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